A História de Pernambuco flui nos 100 anos da Rádio Clube

Maurício Rands
Advogado formado pela FDR da UFPE, PhD pela Universidade Oxford
twitter: @RandsMauricio

Publicado em: 20/05/2019 03:00 Atualizado em: 20/05/2019 08:44

No dia 6 de abril de 1919, o Diario de Pernambuco publicou a convocação dos amadores da Telegrafia sem Fio (TSF) para a fundação da Rádio Clube de PE, sob a liderança de Augusto Joaquim Pereira e outros inovadores como Alexandre Braga, Carlos Rios e Arthur Coutinho. No dia 7, o Jornal do Recife, sob o título “Rádio Club”, publicava: “Consoante convocação anterior realizou-se hontem na Escola Superior de Eletricidade, a fundação do Rádio Club, sob os auspícios de uma plêiade de moços que se dedicam ao estudo da eletricidade e da telegraphia sem fio (...) A primeira no gênero fundada no país”. A Rádio Clube antecipava-se até mesmo à primeira rádio comercial do planeta, a KDKA-Westinghouse, que foi inaugurada em 2/11/1920, em Pittsburgh, EUA. No Brasil, alguns apontam a formação da Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, em 1923, por Roquette-Pinto e outros, como a primeira emissora de radiodifusão do país. O argumento é que, embora fundada quatro anos depois da pernambucana, a carioca já teria nascido com programação mais regular. Apenas um detalhe, porque, naquele tempo, quase tudo era irregular ou esporádico. Mas o pioneirismo pernambucano é reconhecido por estudiosos da história da radiofonia como Ivan Dorneles Rodrigues (http://www.py2gw.qsl.br/py2gw/?paged=7).

O pioneirismo da Rádio Clube também se fez presente em várias iniciativas que foram moldando a comunicação brasileira. Todas muito bem tratadas na série de reportagens de autoria da jornalista Silvia Bessa, do Diario de Pernambuco, publicadas ao longo de 2018. História que também pode ser consultada nas obras de Renato Phaelante e Luiz Maranhão Filho. Foi no microfone da Rádio Clube que Martha Hollanda pioneiramente difundiu o feminismo em uma sociedade patriarcal. Ela que em 1931 havia fundado a Cruzada Feminista Brasileira. A Rádio Clube também inovou com programas musicais como a Hora Azul das Senhorinhas, nos anos 30. Depois, com os programas de auditórios e os jingles de Nélson Ferreira, que por quatro décadas foi seu diretor artístico e de programação. Foi em 1931 que se deu a primeira transmissão radiofônica do Norte/Nordeste de jogos de futebol. O locutor Abílio de Castro fez história transmitindo o clássico da época entre as seleções de Pernambuco e Paraíba na Ilha do Retiro. Mesmo ano daquela que é considerada a primeira transmissão por rádio de um jogo de futebol em solo brasileiro, feita em 19/07/1931 pelo locutor Nicolau Tuma, da Rádio Educadora Paulista, que narrou o jogo entre as seleções de São Paulo e do Paraná. A Rádio Clube também ficou imortalizada pelo seu pioneirismo no Teleteatro, com a opereta A Rosa Vermelha, em 1932, de Waldemar de Oliveira e Samuel Campelo. Ao transmitir ao vivo, em 1939, o IV Congresso Eucarístico Nacional, fez nascer a célebre Ave Maria, na voz de Abílio de Castro, que até hoje vai ao ar às 18h.

Os programas políticos também chegaram às ondas do rádio pela Clube. A primeira iniciativa foi de Agamenon Magalhães, interventor do Estado Novo em Pernambuco, que chegou a fazer duas transmissões por dia na Rádio Clube, em seu programa Conversa com o Ouvinte. Também foi dela o primeiro radiojornalista de Pernambuco, Mário Libânio. Assim como as transmissões em Pernambuco do programa Repórter Esso, através do qual o Nordeste inteiro acompanhou as notícias da 2ª Guerra Mundial. Quem os ouviu, jamais esquecerá programas icônicos como Caixinha de Pedidos, A Cidade Aflita, sucesso dos anos 1980, ou Alô, Nordeste!, de Elias Lourenço, que liderou durante décadas a audiência das madrugadas nordestinas. Também não esquecerá de outros como o Sala de Visitas, o Bola ao Centro e o O Clube da Sucessão, em que Aldemar Paiva, José de Santa Cruz e Luiz Queiroga, nos anos 60, inovavam ao tratar de política.  Nem das novelas Os Que não Devem Nascer e Mistérios do Além. Nem o Miss Pernambuco, apresentado por Carmen Towar e João Alberto.

Nomes como o maestro e compositor Nélson Ferreira, o cronista, repórter e compositor Antônio Maria, e o pioneiro locutor Abílio de Castro marcaram essa profunda sintonia da Rádio Clube com a nossa cultura. Sua importância é testemunhada pela plêiade de grandes artistas e intelectuais que a notabilizaram: Renato Phaelante, Waldemar de Oliveira, Luiz Maranhão e Luiz Maranhão Filho.  Sivuca, o cantor e mestre da sanfona. Luiz Gonzaga, o nosso rei do baião, que ajudou a propagar a Rádio Clube país afora.  Carmem Towar, eterna musa, radioatriz, locutora, produtora, cantora e apresentadora. Leda Baltar, Fernando Lobo, Clovis Paiva, Rosa Maria, Luiz Bandeira, Fernando Lobo, Walter Lins, Mercedes Del Prado, Luiz Jacinto, Ivan Lima, Barbosa Filho, José Santana, César Brasil, Ralph de Carvalho, Raul Morais, Fernando Castelão, José Mário Austragésilo, Gino César, César Brasil e Zuca Show. Muitos nela iniciaram suas carreiras como Chacrinha, Chico Anísio, Lúcio Mauro, Arlete Salles, Capiba, Claudionor Germano e Geraldo Freire.

A Clube teve também seus momentos de infortúnios, como o incêndio de 1978, que destruiu parte do seu acervo e da própria história de Pernambuco. Mas a velha PRA8, com seus 100 kwatts de potência que lhe valeram a alcunha de “O Canhão do Nordeste”, soube ressurgir e se reinventar. Hoje opera em FM (Frequência 99.1), sendo a líder da audiência na RMR. Mas segue também em AM (Frequência 7.20), por onde atinge todo o estado de PE. A força do rádio tem mostrado uma resiliência surpreendente mesmo nos tempos de internet. A proximidade e versatilidade do rádio, em verdade, tem sido amplificada pela rede mundial. Agora, as transmissões podem ser ouvidas de qualquer parte do globo.

Essa força do rádio entre nós talvez tenha a ver com uma das características marcantes do nosso povo. A sua extrema habilidade oral. Como testemunham nossos poetas e repentistas, bem representados pelos que vêm do Sertão do Pajeú ou do Açu, no RN. A força da inteligência do nosso povo a superar o déficit da educação formal que historicamente lhe foi negada.

É com a sua história sem igual e com o amor dos pernambucanos que a Rádio Clube de Pernambuco comemora seus 100 anos ao longo deste 2019. A celebração da última sexta-feira não poderia ter ocorrido em palco mais significativo. O Clube das Pás, do alto de sua história de 131 anos, também é símbolo e testemunha da cultura e das melhores tradições do nosso povo.

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