Dona Madalena, de Guiné-Bissau

Luiz Otavio Cavalcanti
Ex-secretário da Fazenda e ex-secretário de Planejamento de Pernambuco

Publicado em: 14/05/2019 03:00 Atualizado em: 14/05/2019 14:33

Migrar é despedaçar-se. Vão-se uns pedaços. E ficam outros pedaços. Por isso, migrar é uma costura. Por dentro e por fora.

Por dentro, migrar é costurar a alma. A saudade. A dor. A lembrança. Da sala onde comíamos. Da cama onde dormíamos. Da janela que abríamos para ver o mundo.  

Por fora, migrar é me costurar ao outro. Aos outros com quem passamos a conviver. Aos outros que vemos passar na rua. Uma nova geografia. Uma nova etnia. Nova cultura. Novo sorrir. Nunca chorar.

Quem migra, bota uma geografia em cima de outra. Geografia física. E geografia humana. Bota rostos diferentes. Roupas diferentes. Comidas diferentes. Outros sabores. Outros licores. Outros amores, nem falar.

Quem migra, se transplanta. E, ao mesmo tempo, faz um transplante na retina. Porque passa a ver outras cores. Passa a enxergar outro cenário. Passa a sentir emoção diversa. Passa a observar outro ângulo.

Quem migra, sofre. E cresce. Porque, de uma subtração, faz-se adição. Plural. Agregando novos sabores. Novos valores. Nova história.

Penso nisso porque faço parte de grupo de professores numa faculdade. Nela ingressou um colega vindo da Guiné-Bissau. Um negro alto, simpático, chamado Cloriovaldo. Ensina Contábeis.

Clori, como o chamam, trouxe consigo um quase sorriso. Que, algumas vezes mais aberto, mostra dentes brancos bem cuidados. Mostra também espírito gregário, generoso, musical. Como seus irmãos da África.  

No início das aulas, Clori teve dificuldade. Encontrou resistência por parte de uma turma. Ele, firme, profissional, não se dobrou à moleza de alguns alunos. Que foram pressionar a coordenadora. Esta, experiente, percebeu a manobra. E deu força a Clori.

Hoje, o colega irmão de Guiné-Bissau é um dos melhores quadros da unidade. Respeitado por sua dedicação reta. E querido por simpatia feita de graça e sinceridade.

Ontem, percorrendo o Facebook, vi Clori postando fotos de sua terra. E, nela, fotos de sua mãe: dona Madalena. Em homenagem ao Dia das Mães.

Fiquei pensando: a distância entre o Brasil e Guiné-Bissau é a distância de um sonho. De um filho que quer desenvolver seu projeto de vida. E de uma mãe que o acalenta, no regaço improvável, em outra terra morena.

Pois bem. Como este domingo foi o Dia das Mães, cumpro o dever de anfitrião que recebe Cloriovaldo, o colega de África. E saúdo em dona Madalena, sua mãe, todas as mães de amigos meus.

Acho que fica bem por todos os títulos. Inclusive porque se trata de Mama África.

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