Universidades federais na mira do capitão

José Luis Simões
Professor do Centro de Educação/UFPE.

Publicado em: 09/05/2019 03:00 Atualizado em: 09/05/2019 06:59

Bestializado, para usar expressão do historiador José Murilo de Carvalho, assisti ao presidente da República, mancomunado com seu ministro da Educação, ameaçar as universidades federais com anúncio de corte de 30% das verbas. Após quase trinta anos de dedicação à vida acadêmica confesso que, pela primeira vez, vejo um governo que elege educadores, universitários, pesquisadores e jornalistas como inimigos. Não somos inimigos do atual governo, somos trabalhadores que teimamos em acreditar e se dedicar diuturnamente à construção de um país melhor.

Em primeiro lugar, quem vence a eleição deveria sair do palanque e começar a trabalhar pelo bem coletivo, indistintamente. Atacar a robustez das universidades públicas com anúncio de corte de verbas significa ameaçar o funcionamento regular dessas instituições, que são fulcrais na formação de recursos humanos qualificados, na produção de descobertas científicas e avanços no campo da tecnologia e inovação. Só para ter uma ideia, das vinte universidades brasileiras que mais produziram pesquisas científicas nos últimos dez anos, quinze são universidades federais.

Os recursos já são insuficientes, parcos. Novos cortes, “com viés ideológico”, indica o caminho do ocaso científico, afinal, quem mais produz ciência no Brasil são as universidades públicas.

Ameaçar as universidades é atitude antidemocrática, para não dizer autoritária. Fico atônito ao constatar que quem não tem apoio político de grande parte da comunidade científica, mas ocupa espaço privilegiado de poder, atua na direção de atacar, ameaçar e lançar ao vento a ideia de que balbúrdia e consumo de drogas é rotina no ambiente universitário. O discurso do ministro da educação é carente de argumentos, exala ódio à comunidade acadêmica. Isso é a nova política? Não, isso é politicagem.

O governo ainda não percebeu que não se trata de enfraquecer adversários, mas se trata, outrossim, de deixar à míngua instituições fundamentais para o  desenvolvimento do Brasil. Atitude nada patriótica, tresloucada, de uma súcia que paulatinamente se enfraquece com disputas comezinhas. E a malfadada estratégia palaciana “sucatear para privatizar” é antiga, há muito conhecida e vai enfrentar a justa resistência.   

Evidentemente, a comunidade universitária vai reagir. Temos décadas de existência e resistência. A ditadura militar expurgou muitos estudantes e professores nas décadas de 60,  70 e 80. Mas os sobreviventes seguiram suas vidas, inclusive, muitos na própria universidade. A comunidade universitária não vai usar arma de fogo, foice ou martelo. Nós vamos usar a inteligência, mostrar os resultados do nosso trabalho de ensino, pesquisa e extensão, promover mobilizações, articulação e buscar adesão da opinião popular.

O povo é sábio. O povo compreende a importância social das instituições públicas de ensino superior. Aliás, um dos sonhos da avassaladora maioria das famílias é ver filhos e netos na universidade pública, a crescer profissionalmente.

Na verdade, o que está em jogo e vivemos nos últimos dias não se trata apenas de ataque aos segmentos que têm “viés ideológico” diferente daqueles que estão no poder. Lamentavelmente, se trata de ataque ao futuro da educação e da ciência no Brasil. O que se anuncia não é apenas o corte de verbas das universidades, mas o achaque aos sonhos de milhões de cidadãos brasileiros.

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