O orgulho da maldade

Bruno Rafael Gueiros
Mestre em Indústrias Criativas (Unicap) e doutorando em Comunicação (UBI-Portugal).

Publicado em: 07/05/2019 03:00 Atualizado em: 07/05/2019 08:35

Uma das faces mais cruéis da pós-verdade é o orgulho da maldade. Trata-se, antes de tudo, de um egocentrismo místico. Passamos a acreditar que todos querem e precisam ouvir nossas opiniões sobre todos os temas. Temos nos tornado profetas do senso comum, das conspirações, das imprecisões e, quando muito, das obviedades.

Nunca o ouvir foi tão negligenciado e o falar tão supervalorizado. A soma da ignorância com a arrogância tem devastado a humildade da crítica e interditado o diálogo. A repetição à exaustão, o volume em decibéis e a agressividade têm vencido os debates.

André Barata, filósofo português, observa que a obsolescência instantânea que está no design das mídias digitais favorece essa lógica: “Um argumento nas redes sociais não tem a validade de um iogurte”. Se a argumentação está relacionada à busca pela persuasão racional, as mídias sociais não dão condições de tempo para que ela se estabeleça. Na sua ausência, as redes atuam sob mobilização de forças “amigos versus inimigos”, no formato de facções.

A pós-verdade se utiliza da verdade e da mentira igualando-as em valor: como se ambas valessem nada. Como o presente é instantaneamente descartável, é possível sacar fatos ou falsidades a depender do propósito da fala. Néstor Canclini, antropólogo argentino, alerta que a rapidez e a sobrecarga de informação acabam por fragilizar o pensamento e a capacidade de reflexão crítica. Já não sabemos ao certo o que aconteceu, nem confirmamos a precisão do relato, mas somos incentivados a reagir.

Temos nas redes sociais digitais um ambiente de discussão pública sem tempo para a argumentação racional, que agrupa claques para cada face de opinião política, ao passo que as noções de verdade e mentira e de conhecimento e crença são desvalorizadas.

Fica aberto, assim, o espaço para o elogio da violência, extremismos, ofensas, desejo de morte, perseguição e humilhação de “inimigos”. Sem cerimônias, a maldade se apresenta orgulhosamente e ainda recebe likes. A arquitetura e os algoritmos dos sites e aplicativos de rede social precisariam ser revistos para frear essa lógica. Por enquanto, sobram reações, opiniões, repetições, superficialidade, vaidade e arrogância. Sobra muito barulho.

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