Editorial O sofá da sala

Publicado em: 07/05/2019 03:00 Atualizado em: 07/05/2019 08:35

As medidas contra a “balbúrdia” que o ministro da Educação diz imperar nos câmpus das universidades federais remete à velha piada sempre lembrada quando, diante de um problema, não se ataca a causa, mas se encena uma solução. Trata-se da história do marido que, ao chegar em casa, surpreende a mulher nos braços de outro no sofá da sala. Cheio de razão, decreta do alto de sua autoridade: “Tirem o sofá da sala”.

É verdade que manifestações político-partidárias no espaço público das instituições de ensino superior muitas vezes ultrapassam o aceitável e, não raro, ignoram o mandamento número um que as rege: o respeito à liberdade e ao pluralismo. Trata-se de desafio que precisa ser enfrentado. Mas a arma, com certeza, não é o corte de recursos. Tampouco a desmoralização das casas do saber que respondem pela quase totalidade das pesquisas realizadas no país.

Levantamento da Clarivate Analytics, empresa especializada em análise de pesquisas acadêmicas e registro de patentes, apresentou dados que demonstram o que o senso comum conhece — as universidades públicas oferecem a melhor qualidade de ensino e detêm praticamente o monopólio da pesquisa e da divulgação do conhecimento. Não é por acaso que atraem os mais vistosos talentos e têm as vagas disputadas por centenas de candidatos de norte a sul do país.

Números levantados pela Clarivate Analytics comprovam a importância das instituições públicas para o avanço da ciência nacional. Nos últimos cinco anos, das 50 instituições brasileiras que se sobressaíram na publicação de trabalhos científicos, 36 são universidades federais, sete estaduais e cinco são órgãos de pesquisa ligados ao governo federal. Entre eles, a Embrapa, com 7.712 trabalhos e um histórico de contribuições que elevaram o Brasil a patamar em que ombreia com os maiores produtores agrícolas do planeta.

Outro equívoco é a demonização dos cursos de sociologia e filosofia. Eles, como os demais cursos de humanas, não têm sido o objeto de desejo da maior parte dos estudantes. Mas, em vez de desqualificá-los, impõe-se valorizá-los. Além do magistério, profissionais dessas áreas contribuem substantivamente em áreas essenciais para a sociedade. É o caso de saúde, educação, segurança, mobilidade, emprego e demografia.

Ninguém contesta a urgência de a universidade brasileira galgar degraus mais altos, internacionalizar-se e dar saltos de qualidade. É ela que forma os profissionais aptos a contribuir para o desenvolvimento do país num mundo globalizado em que só os melhores  se sobressaem. A receita para cumprir a missão que lhe compete não passa pelo corte de recursos nem pela desvalorização do saber e da ciência. Em bom português: o remédio não é tirar o sofá da sala.

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