O que diriam se Bolsonaro não fosse de direita?

Maurício Rands
Advogado formado pela FDR da UFPE, PhD pela Universidade Oxford
twitter: @RandsMauricio

Publicado em: 29/04/2019 03:00 Atualizado em: 29/04/2019 05:49

Em 1960, a direita elegeu um populista tosco que, em sete meses, renunciou na tentativa de voltar com mais poderes. Em 1990, a direita elegeu o ‘caçador de marajás’, outro tosco que teve que ser desalojado por ela própria. Agora, a partir do receio da volta do PT, o conservadorismo elegeu um deputado que em 22 anos de Câmara pouco havia realizado. Como se ele fosse a única alternativa ao PT. Passados 100 dias, a desidratação do presidente já chega a um terço do eleitorado que o apoiava. Diariamente encontramos eleitores que se dizem arrependidos ou envergonhados. Também pudera. O que esses eleitores diriam se o eleito tivesse sido um outro, de campo ideológico diverso ao deles? Imagine um presidente não-conservador que em quatro meses: I) nomeasse alguns ministros despreparados que fariam vergonha até em países menos complexos e, ao mesmo tempo, se especializasse em desautorizá-los; II) permitisse que um pseudointelectual de quinta categoria, como esse tal de Olavo, nomeasse ministros, agredisse o vice-presidente e semeasse a discórdia entre os seus integrantes; III) governasse movido por uma compulsão a tuitar tudo que lhe viesse à cabeça, com direito a post de vídeo pornográfico; IV) promovesse uma guerra cultural mediante atos e palavras voltadas para sua bolha ideológica, mas que violentassem valores de outros setores da sociedade; V) permitisse a intromissão de três filhos no governo, com direito à demissão de ministros, como foi o caso de Gustavo Bebbiano, então chefe da Casa Civil; VI) desviasse a atenção e desencorajasse a apuração de irregularidades cometidas por esses filhos nos seus gabinetes, depois de ter sido eleito em cima do tema corrupção; VII) deixasse de explicar o depósito de cheque na conta da 1ª dama feito por um assessor de filho seu, como foi o caso do tal Queiroz, ao tempo em que nada fizesse para que esse assessor explicasse na justiça as acusações; VIII) tivesse amigos milicianos no entorno de seus filhos; IX) enviasse ao Congresso uma reforma previdenciária para atacar o déficit fiscal e, ao mesmo tempo, se comportasse como se dela discordasse; X) sugerisse que a data do Golpe Militar de 64 fosse comemorada e que o regime militar não seria ditadura; teria apenas tido ‘probleminhas’; XI) praticasse uma política externa servil a um governo americano controverso, hostilizando governos de mercados importantes para a exportação brasileira; XII) proclamasse à imprensa internacional que o Nazismo foi de esquerda; XIII) elogiasse os regimes de Pinochet e Stroessner; XIV) incentivasse o filho (Eduardo) a visitar governantes autocráticos e ditadores como, há poucos dias, Viktor Orbán, da Hungria; XV) brigasse de público com o presidente da Câmara já nos primeiros meses de governo; XVI) atacasse os cursos de filosofia, que ensinam a pensar, e os de sociologia, que ensinam como a sociedade funciona; XVII) censurasse uma campanha publicitária do Banco do Brasil, uma sociedade de economia mista listada na bolsa, porque nela apareciam negros, jovens alternativos e homossexuais, depois de gastos de R$ 17 mi em sua produção; XVIII) incentivasse indiretamente o turismo sexual e vetasse o turismo gay (‘Quem quiser vir aqui fazer sexo com uma mulher, fique à vontade. Agora, não pode ficar conhecido como paraíso do mundo gay aqui dentro’); e, XIX) endossasse o preconceito de seu ministro da educação, para quem os filhos de agricultores não podem sonhar com um diploma de antropologia; Ufa! A lista parece nunca acabar. Imaginem se o presidente autor de todos esses atos fosse um perigoso comunista?

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