Fernando Coelho, presente! II

Ricardo Coelho
Professor universitário e promotor de Justiça

Publicado em: 27/04/2019 03:00 Atualizado em: 27/04/2019 06:24

É difícil escrever sobre a pessoa que mais amei no mundo e na vida. Meu pai foi a luz que guiou cada passo que dei. Quero falar de um pai bondoso e amoroso, que tinha um coração de ouro.

Sempre digo que meu pai era como São Francisco de Assis, pela sua simplicidade e bondade, nós nos entendíamos pelo olhar e até no silêncio, estarmos juntos era suficiente e o melhor de nossas vidas. Papai me ensinou a valorizar o pequeno, o singelo. Sempre me disse desde criança quando caminhávamos diariamente no amanhecer da praia de Piedade, que podíamos enxergar o mundo com bons ou maus olhos, era de cada um a opção. Seus olhos e atitudes só exalavam amor.

Meu pai não guardava mágoas, era muito maior que isso, compreendia as pessoas e suas fraquezas, perdoava, sempre esteve acima das vicissitudes cotidianas. São poucos os homens que contam com a capacidade de esforço suficiente para transcender a vida comum, papai era assim e estará entre todos nós sempre no ar puro da liberdade e da democracia. Sua predestinação essencial era ser do bem e agir com ética, acreditar num Brasil melhor e mais justo.

Sobre sua bela carreira pública pouco resta a falar, mas destaco que sempre fez a opção pelos mais humildes e teve a coragem rara de enfrentar a ditadura em sua fase mais aguda, primeiro na OAB e depois no Congresso Nacional, quando muitos se acovardaram. Nesta época com três filhos pequenos e que certamente sofreriam com o seu exílio ou prisão, fez oposição com coragem singular, sendo alçado à vice-presidência nacional do único partido de oposição admitido pela ditadura (MDB), liderado por Ulisses Guimarães.

Teve atuação destacada na coordenação da Comissão da Verdade Dom Helder Camara, quando foram aos porões da ditadura para trazer a esperança de justiça, paz e verdade aos corações de familiares de mortos e torturados pelo regime. É inadmissível no Estado Democrático de Direito a supressão do passado como se não tivessem ocorrido mortes, sequestros e torturas. Há uma herança insepulta, a dívida do regime: os mortos, torturados, desaparecidos, sobreviventes e familiares que ainda esperam por justiça.

A CV representou um ajuste de contas com a História. O silêncio e a negação de crimes hediondos e recentes seria o pior caminho. A CV teve uma importância crucial para que o país venha a construir e consolidar uma cultura de direitos humanos, de paz, e, também para produzir valores nas gerações contemporâneas de amor à democracia.

Fernando Coelho foi uma pessoa rara, inflexível na defesa de valores éticos e morais, independente, combativo, destemido, corajoso, impetuoso, que não teve receio de defender o justo mesmo em tempos incertos. Perseguiu ideais que deixou como um legado precioso.

Ele fez política por amor e vocação. Foi leal e sofreu derrotas e traições dolorosas por acreditar com pureza de espírito na bondade das pessoas, foi solidário, nunca traiu ou abandonou um companheiro de luta. Foi servo apenas dos seus ideais e sonhos, jamais permitiu que nenhum medo o fizesse desconhecer a liberdade.

Líder da oposição, muitas vezes chegava em nossa residência, em Brasília, certo de que naquela noite seria cassado pelo regime. Certamente não foi porque os registros do próprio SNI (revelados pela CV) consignaram que se tratava de um líder de esquerda, probo, honesto e culto (SIC).

Neste caso as palavras de Brecht soam como alento: “Há aqueles que lutam um dia; e por isso são muito bons; há aqueles que lutam muitos dias; e por isso são muito bons; há aqueles que lutam anos; e são melhores ainda; porém há aqueles que lutam toda a vida; esses são os imprescindíveis.” Papai trabalhou até os 86 anos e tinha o espirito pleno de sonhos e de amor para distribuir com os que tiveram o privilégio de conviver com ele,

Pai, seus ensinamentos, bondade e infinito amor pelo próximo estarão sempre conosco. Não há adeus mais difícil do que aquele que sabemos que é para sempre. A esperança é a poesia da dor, é a promessa eternamente suspensa diante dos olhos que choram e do coração que padece. Te amo, pai. Fernando Coelho, presente!

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