Editorial Três meses sem nenhum culpado

Publicado em: 26/04/2019 03:00 Atualizado em: 26/04/2019 09:10

Completados três meses, ontem, da tragédia que abalou o país com o rompimento da barragem da Mina Córrego do Feijão, em Brumadinho, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, nenhum responsável pelo desastre que ceifou a vida de 233 pessoas — 37 continuam desaparecidas — foi formalmente denunciado pelas autoridades. Os suspeitos são muitos, mas todos continuam em liberdade. Treze pessoas chegaram a ser levadas para a cadeia — elas foram soltas por ordem do Superior Tribunal de Justiça (STJ) —, depois de o Ministério Público e a polícia apurarem que o comando da mineradora Vale, proprietária da estrutura que se rompeu, estava ciente dos riscos que as barragens corriam.

Com o avanço das investigações, fica, a cada dia, mais consistente a acusação de que o alto escalão da empresa sabia dos riscos de ruptura das estruturas. Depoimento de um dos investigados na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) instalada no Senado para desvendar as causas e os reais culpados pela tragédia reforça o trabalho da força-tarefa criada para elucidar o maior acidente no setor de mineração ocorrido no Brasil. Pelas declarações do funcionário da Vale, a diretoria e a diretoria executiva sabiam dos problemas estruturais da barragem e os riscos que ela corria. E o crime continua impune.

Não é só a impunidade que revolta os atingidos pela tragédia, que mudou totalmente a vida das comunidades locais. Noventa dias depois do rompimento, membros do Ministério Público têm a percepção de que a mineradora usa manobras jurídicas para se livrar de um processo coletivo movido pelas vítimas da catástrofe que perderam tudo. De acordo com os promotores, a Vale está tentando um caminho alternativo. “A empresa tenta driblar o Poder Judiciário construindo padrões próprios de indenização e valores que não foram definidos com a comunidade nem com os atingidos”, destaca André Sperling, integrante da força-tarefa.

O promotor avalia que o processo imposto a Brumadinho é pior que o de Mariana, quando houve o estouro da Barragem do Fundão, no distrito de Bento Rodrigues, há três anos, provocando a morte de 19 pessoas e o maior desastre socioambiental do país, com o mar de lama poluindo a bacia do Rio Doce até chegar no Oceano Atlântico, no Espírito Santo. A diferença é que na cidade histórica as vítimas que tiveram suas casas destruídas tiveram direito a indenização e estão recebendo novas casas em Bento Novo, localidade que está sendo construída para alocar a população de Bento Rodrigues, varrida pela onda de rejeitos de minério. Em Brumadinho, prevalece a indefinição.

Não bastassem a falta de responsabilização pela tragédia de Brumadinho; o não pagamento de indenizações; e o medo da queda de outras barragens, as famílias, que ainda se recuperam da dor pela perda de parentes, vizinhos e amigos, enfrentam uma escalada de preços jamais vista. Está acontecendo verdadeira exploração econômica da população, com ágio sobre produtos que chega a atingir 80%. Diante de tal realidade, os agentes públicos e a Vale devem fazer tudo para que questões tão aflitivas sejam solucionadas rapidamente. As vítimas da catástrofe já sofreram demasiadamente.

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