Na hora do adeus

Gilberto Marques
Advogado criminalista

Publicado em: 25/04/2019 03:00 Atualizado em: 25/04/2019 09:04

Clemente Maria Hungria Hoffbauer, filho caçula do jurista Nelson, faleceu em 1º de setembro de 2018 – 97 anos. Tive a ventura de conviver com a família. Sobral Pinto me levou, junto com Juarez Tavares, à Rua Guimarães Natal, nº 10. A primeira visita encontrei a sala recheada com gosto de festa. Os grandes criminalistas foram lá naquela tarde. Calor intenso aconchegava o Rio de Janeiro, na cobertura de Copacabana. Estávamos em 1982, ano do assassínio do Procurador Pedro Jorge de Melo e Silva, em Olinda. O clima e a casa eram acalorados. Os encontros foram muitos. Ele lá, eu cá em Recife. A filha mais velha, Patrícia, foi morar em New York. E me deram o quarto – um hotel de luxo, com gestão familiar. Evany, a mulher, Daniela, a caçula, 14 anos, inclua-se o aparato de fazer inveja. A casa e o escritório um verdadeiro MUSEU do pai. Nas conversas, quase sempre, a história do velho Hungria. Um privilégio mantido apesar do luto cheio de saudade.

Agora me abraço com a dor de perder Fernando Coelho. Ícone da Constituinte. Minha hospedaria, também, em Brasília desde 1980. Fui lá quando o governo Figueiredo apagou os sinais da TV Tupi, inclusive no Recife. Na campanha de 1978, estivemos juntos. Um fusquinha, com 4 autofalantes, percorreu as esquinas. Recife, Olinda, Goiana e vários outros palcos recebiam o grito. Andamos muito. Pra mim sobrou dirigir, operar o som, fazer a locução no passeio do carrinho sonoro. Comício relâmpago! Enfrentávamos o silêncio da Lei Falcão. O banco roto, improvisado, ganhou adeptos em cada parada. O campo crescia, dia após dia.

Na Pracinha do Diario, nos mercados, nas escolas os microfones sibilavam: o deputado federal é Fernando Coelho, 302. O deputado estadual é Gilberto Marques, 1392. O Senador é Jarbas! MDB contra a ditadura; contra a violência; contra a corrupção. Pela Constituinte, pela Democracia. Minha fala abria e terminava anunciando o orador ilustre, ilustrado, sério e sereno. Eu pedia votos pra ele, ele pedia pra mim. Naquele tempo era assim. O guia eleitoral apresentava um retrato 3x4; um breve currículo do candidato e o nome do partido. Nas esquinas a voz dos inconformados. Na eleição o MDB conquistou uma larga vitória. Fenando Coelho voltou ao Congresso Nacional coroado de votos espalhados por Pernambuco inteiro. Ele dizia “ô carrinho danado!”

Depois das eleições continuadas às visitas – clubes carnavalescos, troças, escola de samba continuaram o alvo das lições de ciência política. Eleito e eleitores sempre juntos. Fugindo do lugar comum. Cerca de duas vezes por mês ele avisava: sexta-feira chego às 18:00h. No mais das vezes pedia: vamos por Boa Viagem – quero ver o mar. Parada obrigatória no Veleiro. Um chopp pra distrair... Agulha branca pra costurar o périplo noturno. Prato Misterioso, o clube do primeiro acorde.

Hoje peço clemência pelos dois. Coelho procria. Gente assim não morre, se esconde na coxia. Que o diga Nelson Hungria. Tem também uma sala que está vazia. Prontinha pro show voltar. E amanhã a gente vai ver novamente a sala se encher de gente, pra gente recomeçar (Vinícius de Moraes). O exemplo e a saudade vão viver. O show não pode parar.

Os comentários abaixo não representam a opinião do jornal Diario de Pernambuco; a responsabilidade é do autor da mensagem.