Tecnicalidades que importam: os erros de Toffoli e Moraes

Maurício Rands
Advogado formado pela FDR da UFPE, PhD pela Universidade Oxford
twitter: @RandsMauricio

Publicado em: 22/04/2019 03:00 Atualizado em: 22/04/2019 09:47

O Inquérito aberto por Dias Toffoli no dia 14/3/19 apequenou nosso mais alto tribunal. O STF pode, sim, abrir inquérito de ofício, sem provocação de outro órgão. Por força do art. 43 do seu Regimento Interno. Mas contra atos praticados na sede do tribunal. O dispositivo visa coibir irregularidades na conduta de seus funcionários ou agressões de terceiros cometidos nas dependências do STF. Toffoli confundiu isso. Achou que uma agressão na internet  a membro do tribunal poderia atrair a aplicação do art. 43. Não leu o art. 46 do RISTF, que, ao tratar de atos de desobediência ou desacato ao tribunal, aplica a regra geral do encaminhamento ao Ministério Público para que este proponha a ação penal. Errou também porque confundiu a sua figura e de seus pares com a instituição. Se achava-se ameaçado por calúnia, difamação, injúria ou outro crime, tinha que fazer como os demais cidadãos. Identificar como abrir um processo criminal. Se o crime é de ação penal pública, a titularidade para propô-la cabe ao Ministério Público. Se de ação penal privada, como no crime de injúria, ele próprio, a vítima, é o titular da ação penal. Assim, Toffoli errou também porque, à parte este último caso, os crimes contra membros do STF só poderão ser objeto de processo se o Ministério Público Federal decidir propor a ação penal, ainda que depois de receber o inquérito. A propósito, a Procuradora-Geral da República também errou porque, antes de ter tido acesso ao inquérito, já antecipou que não proporia a ação penal. Pode ser que o inquérito indicie apenas alguém que tenha realmente cometido crime na sede do tribunal.

Toffoli voltou a errar quando escolheu sem sorteio o relator (RISTF, art. 66). Moraes e Toffoli se autossabotaram ao determinar uma censura prévia. Vão ficar marcados como os ministros da censura. Confirmando que, em alguns casos, a pessoa que senta numa cadeira contribui para diminuí-la. Ao invés de engrandecê-la, como outros fazem. Do alto da pretensão de onipotência, violaram o art. 5º, IX, da CF, que sacraliza a liberdade de expressão e de imprensa. Conquista obtida numa assembleia constituinte que se seguiu a uma ditadura que as negara por 21 anos. Toffoli também se autossabotou ao abrir o inquérito porque fez viralizar uma notícia que lhe era incômoda. E agora está moralmente desafiado a mostrar que nada recebeu. Nem seus familiares. E a mostrar que sua reação desproporcional não é a de quem teme outras investigações.

Os dois erraram ainda porque trataram diferentemente pessoas na mesma situação. Ou os sete cidadãos que receberam a ‘visita’ da polícia federal e os sites O Antagonista e Crusoé foram os únicos que mencionaram nas redes a citação de Odebrechet a Toffolli? Os outros milhares de autores de postagens idênticas nas redes sociais também vão ser censurados e investigados? Nesse ponto, impressiona como alguns assíduos nas redes deixaram de sê-lo nesse tema. À direita e à esquerda do espectro. Alguns por temerem o bloqueio de seus perfis ou a visita da polícia. Outros porque o ataque do STF era a adversários seus. O descompromisso real com os princípios espraiou-se. Chegou até ao presidente Bolsonaro. Que, dias depois de defender a ditadura militar de 64, arvorou-se em arauto da liberdade de imprensa. Do outro lado, muitos no campo da esquerda nada disseram ou foram tímidos no registro contra a censura prévia praticada pelo Supremo. No fundo, são vítimas da concepção de seita. Da visão de que tudo é uma quebra de braço. ‘Se o ataque é contra meus adversários, é bem-vindo’. Não leram o poema de Brecht contra a omissão diante dos primeiros ataques nazistas a grupos específicos. A omissão de tantos revela descompromisso com os princípios, próprio de quem os vê apenas como instrumentos táticos para a luta política. E não como princípios fundantes de uma sociedade democrática.

Ao trazer o STF para a disputa política, os dois ministros atraíram a crítica da PGR, OAB, imprensa e opinião pública. Diminuíram-lhe a imagem e o respeito. Isso não é pouco para satisfazer os que almejam emparedar o tribunal e o seu papel às vezes contra-majoritário na defesa  dos princípios constitucionais. Estão contentes os que imaginam poder contornar as garantias do contraditório e do devido processo legal quando a causa for justa, como é a do combate à corrupção. Imaginam que o STF terá menos força para impor-lhes limites. Para não dizer que não falei de acertos, diga-se que Moraes acertou ao voltar atrás na censura que antes decretara. Em verdade, o leitor já deve estar refletindo, erraram mesmo os que escolheram ministros de tão baixa estatura para tão altas responsabilidades. O país precisa ficar de olho nas próximas nomeações de ministros. O atual governo sonha em encurtar em 5 anos o limite para aposentadoria compulsória dos ministros do STF. Para preencher ao seu talante as vagas que vão surgir.

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