Editorial Patrimônio dos brasileiros

Publicado em: 22/04/2019 03:00 Atualizado em: 22/04/2019 09:47

A capital do Brasil chegou ontem aos 59 anos com urgências semelhantes às observadas nas capitais das demais unidades da Federação. Construída nos anos dourados, embalada pela bossa nova e movida pela força da vanguarda, Brasília nasceu do delírio de um presidente visionário. Seria a concretização da cidade idealizada por milhões de cidadãos espalhados pelo território nacional. Encarnaria a distinção feita por Aristóteles entre história e literatura. A história conta o que os homens foram. A literatura, o que gostariam de ser.

Mazelas como atraso, corrupção, pobreza, violência, desigualdade, ignorância, poluição não contaminariam a urbe traçada por Lucio Costa, projetada por Oscar Niemeyer, embelezada por Burle Marx e Athos Bulcão. Aqui não se conjugaria o verbo refletir porque retrataria o velho. O verbo candango seria projetar. O progresso e a civilidade seriam a marca da cidade — uma ilha ideal num arquipélago formado por 450 anos de realidade. Os avanços não se restringiriam ao Planalto Central. Seriam lume para os 26 estados.

Graças à aventura de JK, ficou para trás o complexo de caranguejo que imperava no país. A partir do século 16, colonizadores ocuparam a costa. Investiram nas regiões demarcadas pelas águas. Desenvolveram-nas. Os imigrantes que para aqui vieram em busca de oportunidades seguiram o caminho traçado. O imenso e desconhecido interior viveu deserdado do desenvolvimento por quase cinco séculos.

A construção de Brasília operou a guinada de 180 graus. O até então esquecido centro-oeste mereceu o olhar do poder e o interesse de bandeirantes do século 20. Integrou-se de fato ao território. Estradas rasgaram o isolamento, cidades pipocaram ao longo do asfalto, pesquisas agropecuárias incentivaram a migração e transformaram a área no maior celeiro da América do Sul. O eldorado mostrou as potencialidades. Só por essa conquista a epopeia candanga merece os troféus da pátria.

Mas a obra ainda não se completou. Os anos provaram que a hora de completar a utopia está por bater. Seis décadas de vida mostraram que Brasília é brasileira. Precisa vencer desafios comuns às grandes urbes nacionais. O crescimento acelerado deixou clara a cultura da improvisação. A falta de planejamento respondeu pela exibição da cara feia do subdesenvolvimento: desigualdade marcante, educação sem qualidade, saúde na UTI, segurança precária, trânsito congestionado, mobilidade comprometida.

A 41 anos do centenário, a capital do Brasil tem um compromisso intransferível e inadiável — cumprir na totalidade o destino que lhe deu origem. Impõe-se olhar para a frente e retomar o verbo projetar. Não por acaso a obra erigida na solidão do Planalto ostenta o pioneirismo de conquistar o título de Patrimônio da Humanidade nas primeiras décadas de vida. A reconquista começa agora.

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