Editorial Retrocesso

Publicado em: 15/04/2019 03:00 Atualizado em: 15/04/2019 08:25

Os avanços civilizatórios não nascem em árvore nem chegam como presente divino. São conquistas. Não raro alcançadas à custa de derramamento de sangue e perda de vidas. Trabalhar 20 horas por dia era a regra. Não é mais. Escravizar negros e índios era natural como andar pra frente. Não é mais. Matar mulher em defesa da honra alheia recebia o aplauso da sociedade. Não recebe mais. Queimar bruxas na fogueira figurava nos mandamentos da Igreja. Não figura mais.

A observação vem a propósito da iniciativa do governo de flexibilizar medidas cujo alvo é a segurança no trânsito. Nesse quesito, o Brasil figura entre os países campeões de mortos no asfalto — cerca de 40 mil no ano passado. Nessa conta não entram os feridos que, socorridos, foram a óbito posteriormente, ficaram incapacitados para o trabalho ou tiveram comprometida parte do corpo. Além de empobrecer o país, a violência sobrecarrega o sistema de saúde e o previdenciário.

É nesse cenário desolador que o Planalto anunciou duas medidas que vão de encontro à segurança em ruas, avenidas e estradas. Na semana passada, divulgou o cancelamento de instalação de 8 mil pardais em rodovias federais. Não só. Disse que procederia à revisão dos contratos para avaliar a real necessidade dos aparelhos distribuídos ao longo das vias. Seria um freio na indústria da multa, segundo promessa de Bolsonaro ao longo da campanha eleitoral.

Especialistas no assunto criticaram o passo atrás. Não só eles. O Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) apresentou números que atestam o papel dos radares na redução de 25% das mortes nas rodovias. A Justiça também se manifestou. Sentença da juíza federal Diana Wanderlei, de Brasília, proibiu a retirada dos pardais. A oposição, porém, não inibiu nova investida.

Dessa vez, o alvo foi determinação do Código de Trânsito Brasileiro, sancionado em 1997 — a suspensão da carteira de habilitação quando o motorista soma 20 pontos no prontuário em razão de infrações ao volante, como ultrapassar o limite de velocidade, estacionar em lugar proibido, avançar o sinal. Para recuperar o documento, o infrator precisa, entre outras exigências, fazer um curso de reciclagem para se reeducar e rever os princípios que regem a convivência no asfalto.

O ministro da Infraestrutura, Tarcísio Freitas, anunciou que encaminhará ao Congresso Nacional projeto de lei que dobra o número de pontos ora necessários para a perda da carteira — de 20 para 40. Trata-se de prêmio aos infratores. Vai na contramão dos anseios da sociedade. Se há necessidade de correções para evitar pegadinhas, que sejam feitas. Mas dar carta branca para ampliar os abusos equivale a jogar combustível em fogo alto. É jogada de alto risco. Inaceitável.

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