A velha versão da alegoria

Nagib Jorge Neto
Jornalista e escritor

Publicado em: 13/04/2019 03:00 Atualizado em: 15/04/2019 08:18

As palavras, as imagens, podem jogar “punhados de perplexidade” sobre a vida, as pessoas, pois vasto é o campo da fantasia, da ilusão. Então há espaço para exaltar o sonho, explorar o imaginário, gerar uma visão dourada - presente ou próxima -, ajustada aos anseios de redenção da maioria.  Nesse contexto, vinga o dilema (é-e-não-é, sendo), com certezas, dúvidas, que caem no domínio da alegoria, da imaginação, sem resgate do real. Daí o enigma desta fase do país, em que o desemprego e a recessão avançaram sem maior inquietação e protesto, contidos pela força da mensagem, da palavra e da imagem. É um quadro violento, que volta a crescer - com o judiciário (esquema fascista do teje preso), a mídia e o governo usando a alegoria para embutir no consciente, ou inconsciente, a perspectiva de uma nova era.

No universo do imaginário, cada cidadão, cidadã, não está num mundo pequeno, restrito, mas fora de sua cidade, de seu espaço. É parte do milagre, do não-ser-sendo, da mensagem que torna sua aldeia universal, também do governo que moderniza o país, anuncia combate à inflação, gerar empregos, enfim um novo tempo. A força da mensagem, com seus códigos e signos, induz a maioria a julgar que o país vai mudar,  progredir, apesar do desemprego e da crise econômica. A rigor, tudo se faz, será feito, para eliminar as mazelas, o atraso, de sorte que o desencanto não pode ter vez e impedir a marcha da renovação. Por aí o governo difunde sua concepção de progresso e ignora  a crise na agricultura, educação, saúde, indústria, que será vencida com as ações do mercado, da competição, do esforço de ajuste.

A ficção enfeita o tacape do mercado (enxugamento), evoca o porrete da ditadura, do regime militar, e louva o desmonte do patrimônio público, do Estado, as demissões e as reformas que atingem as conquistas sociais. Diante da telinha, a maioria -  sem ser-sendo - integra a  nova ordem mundial, indiferente ou omissa. É que a técnica, a ciência, até parece estar a um passo, na palma da mão. Na esfera técnica isto é falso, mas tem nuances de real na esfera psicológica, já que as pessoas e os lugares se globalizam, conforme estudos do  professor Milton Santos, segundo o qual o espaço é mundial apenas como metáfora.

Nessa farra da globalização, que virou moda e dogma, a tônica do discurso (combatido nas gestões de Lula e Dilma) tem sido abertura do mercado, privatização, reformas, evocação dos asiáticos e cidadania. Daí amplia a marcha dos cortes, das demissões em massa, com invencionices sobre mudanças no trabalho, legiões de micros, pequenos e médios empresários. Assim o atual governo coloca uma composição, ou carro alegórico, para ocupar as passarelas da ruína do mercado interno.

É hora de um velho enredo, popular - geração de emprego - para obter aplausos da mídia, de políticos e empresários, otimistas de plantão, ou de ocasião, além de isolar os opositores. É uma ficção, com promessas de emprego, redução de taxas e pausa nas demissões. Enfim, mais uma tese, ou uma prática antiga, descrita pelo escritor Lima Barreto em maio de 1918: “A nossa burguesa finança governamental só conhece dois remédios para equilibrar os orçamentos: aumentar os impostos e cortar lugares de amanuenses e serventes (servidores)”.

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