O desafio da Lei de Dados

Edson Holanda
Advogado e mestrando em Estado, Regulação e Concorrência.

Publicado em: 11/04/2019 03:00 Atualizado em: 11/04/2019 09:11

Há cerca de um ano, visando o ingresso do Brasil na Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), o Palácio do Planalto dava o pontapé para a criação de um órgão federal de proteção de dados pessoais na internet. Já se sabia que não se senta em uma cadeira do “clube dos países ricos” sem portar uma legislação compatível com o entendimento da entidade na questão de proteção, uso, tratamento e armazenamento dessas informações. Não demorou para que, em agosto, o ex-presidente Michel Temer rubricasse a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), que trazia um veto à criação da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) - elemento central de qualquer lei desse tipo.

Em dezembro, em uma de suas últimas canetadas, Temer recriou a ANPD por meio da medida provisória 869/18, vinculando o órgão à Presidência da República, retirando o status de uma autoridade independente, como previa o projeto original. Nesta fotografia, a atual configuração do órgão mantém as regras da LGPD para o setor privado e afrouxa o poder de fiscalização sobre o tratamento de dados do Estado. A MP entrou na reta dos últimos 30 dias para apreciação do Congresso, demandando um olhar crítico do legislativo para os riscos de não se ter uma agência de proteção autônoma em uma tarefa na qual a independência e a elevada capacidade técnica são mister.

Ao longo deste ano, a medida provisória já recebeu mais de 175 emendas dos parlamentares, o que pede alguma objetividade na tomada de decisões para que não tenhamos mais uma lei da espécie das jabuticabas. E se existe um caminho cristalino para a formação de uma cultura sólida de proteção de dados no Brasil, ao tempo que torne o país apto à OCDE, ele passa por sintonizar o texto brasileiro com o do Regulamento Europeu de Proteção de Dados Pessoais (GPDR), o maior conjunto de proteção à privacidade online já criado desde o princípio da internet, e que foi fonte de inspiração da regulação brasileira.

Entre outras providências, ela estabelece a necessidade do consentimento do titular dos dados para que tanto as empresas privadas quanto o governo coletem e tratem suas informações pessoais. Pois, se informação é poder, permitir que a esfera pública não responda sobre os dados que armazena sobre os cidadãos - e suas vidas cotidianas – é imprimir texturas de um ambiente não democrático. O debate da MP não deve girar só, e grandemente, em torno da violação de direitos em sua dimensão individual; mas também, e sobretudo, sobre as garantias do Estado Democrático de Direito.

Os comentários abaixo não representam a opinião do jornal Diario de Pernambuco; a responsabilidade é do autor da mensagem.