Células espelhos

Meraldo Zisman
Médico psicoterapeuta

Publicado em: 09/04/2019 03:00 Atualizado em: 09/04/2019 08:47

“O 1% restante das pessoas já tinha um problema sério bem antes de ver as fotos ou ler as reportagens — e não serão os jornais que irão resolvê-lo”. Diz a Folha de São Paulo de 20/03/2019, no artigo intitulado Imprimatum assinado pelo colunista Hélio Schwartsman

Não faz bom jornalismo o profissional que acende o pavio da explosão midiática para realizarse com furos jornalísticos. No caso da tragédia em Suzano a pirotecnia continua pipocando.  E não me venham explicar, senhoras e senhores midiáticos, que é necessário ilustrar as reportagens dantescas sejam elas ao vivo, fotografadas, noticiadas ou pelos filmezinhos feito pelos Iphone dos colaboradores ad hoc, para demonstrar que não é normal ou edificante o que está acontecendo ou aconteceu.

Valer-me-ei do antigo conhecimento da “psiconeurociência”, não tão atual para os leigos (1916), a qual, pela velocidade dos avanços recentes, já pode ser considerada uma senhora idosa, apesar de que a ciência não tem idade, atualizando-se sempre em constantes mutações e progressos.

Comecemos pelos primatas e depois pelos seus derivados mais inteligentes, os homens. Ambos são possuidores de células nervosas (neurônios) especializadas e que aprendem as funções e atuações das mais diversas, pela observação de animais da mesma espécie. Se um ser presenciar um outro ser da mesma espécie fazendo alguma coisa, repete o que o outro estava realizando.

Aprende assim a descascar amendoim com o semelhante, dependendo da agilidade do observado. Este é um processo cultural de aperfeiçoamento que, como tudo na vida, poderá ser considerado positivo ou negativo.

Em 1996/8 neurocientistas que examinavam o cérebro de um macaco depararam-se com um curioso aglomerado de células no córtex pré-frontal, uma área do cérebro responsável pelo planejamento de movimentos, localizado no lobo frontal.

Quando um macaco avista outro macaco executando uma ação, imita-o como se fosse sua imagem refletida num espelho.

O aglomerado de células dispara não apenas quando o macaco executa uma ação, mas também quando o macaco vê a mesma ação executada por outra pessoa.

O mesmo ocorre com as pessoas. As células respondem da mesma maneira. Pouco importa se o macaco estendeu a mão para agarrar uma banana, ou apenas observou – com inveja – outro macaco ou um humano comendo a fruta. Como as células refletem as ações que o macaco observa, os neurocientistas chamam-nas de “neurônios-espelho”.

Experimentos posteriores confirmaram a existência desses neurônios-espelho, mais aperfeiçoados, em humanos e revelaram outra surpresa.

Além de espelhar ações, as células excitavam-se (ou refletiam) no caso de sensações e emoções. “Os neurônios-espelho sugerem que pretendemos estar no lugar mental de outra pessoa”. Se estamos preparados para internalizar automaticamente os movimentos e estados mentais dos outros, nossos semelhantes, então o que isso sugere é a forte influência de filmes violentos, programas de televisão, videogames e outras cositas, mas…nas nossas emoções e desejos.

Carecemos de ter mais cuidado com o que assistimos. Caberia ao pessoal da mídia profissional saber o que podem causar e ter mais cuidado com o que estão apresentando aos seus leitores e espectadores (fregueses e consumidores, na era do domínio do Mercado, merecem respeito!).

Isso difere muito do que andam afirmando por aí, do perigo dos videogames…. e outras tantas asneiras.

Os próprios cientistas estudiosos dessas formações neurológicas citam o escritor Marcel Proust (1871-1922) que, no seu livro No Caminho de Swann dizia: O que censuro nos jornais é fazer-nos prestar atenção todos os dias a coisas insignificantes, ao passo que nós lemos, apenas três ou quatro vezes na vida, os livros em que há coisas essenciais.

Os neurônios-espelho fornecem um mecanismo neurobiológico aceitável que explica por que a exposição à violência na mídia leva à violência imitativa. Isto é só um aviso!

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