Nós e eles

Luzilá Gonçalves Ferreira
Doutora em Letras pela Universidade de Paris VII e membro da Academia Pernambucana de Letras

Publicado em: 09/04/2019 03:00 Atualizado em:

Semana passada o programa Nordeste Viver e Preservar mostrou de perto a atividade do pessoal da Universidade Rural no cuidado com animais silvestres, que, por diversas razões, tinham sido afastados de seu habitual espaço de vida, alguns correndo perigo de extinção. E que são cuidados, devidamente identificados - para que se possa seguir seus deslocamentos na mata, nos rios, onde são lançados após o período de tratamento, vacinação. E que se possa acompanhar sua adaptação à nova vida. Beleza de trabalho, imagens comoventes de despedidas dos estudantes e técnicos da universidade, tristes nas cenas de separação, como a partida de uma preguiça, animal doce, quase sorridente, que após muito carinho dos cuidadores, aceitou subir na árvore, lenta, sem pressa de partir, evidentemente, voltando o rosto para eles, como num adeus, (Luzilá, basta de imaginação) até sumir nos altos da mata de Dois Irmãos. Trabalho notável desse pessoal da Ufrpe, pela necessidade de preservação de nossa fauna, sobretudo daquela ameaçada no que resta de nossas florestas e quintais, cada vez menos quintais. Minha amiga Marly Mota, lamenta, do alto de sua varanda em Casa Forte, como pouco a pouco o verde vai desaparecendo da paisagem. O que acontece, não só pela descontrolada especulação imobiliária de todos conhecida, mas também por obras deixadas incompletas pelos poderes públicos, como o projeto de navegação pelo Capibaribe, que aterrou às margens do rio, expulsando capivaras e outros animais, que vêm nos visitar. Inclusive filhotes de jibóias: a mãe de alguns desses últimos, vez por outra é vista entre os bambus do final da rua Antonio Vitruvio, no Poço da Panela e um filhote esteve há pouco em nosso terraço, buscando alcançar um ninho de sabiás.  Bucólico? Diante desse quadro há, claro, o privilégio de conseguir viver “de outro modo” - os urbanistas lembram que uma cidade é um corpo que se modifica ao longo do tempo.- nesses pequenos paraísos de paz, preservados há uns anos, pelo então prefeito Gustavo Krause, bendito seja. Mas vejam que existência movimentada temos nós, aqui no Poço, berço de abolicionistas, cantado por seu mais ilustre morador, o poeta Olegário Mariano. E a sorte de nossas crianças, que, ainda hoje, preferem subir em árvores a brincar com aplicativos. Primeiramente veio um só. Pulava de galho em galho,  topou com o pé de carambola, carregado de frutas amarelas. Desconfiado, os olhinhos vigiavam, jeito de verificar se o perigoso bicho homem estava por perto. Comeu rápido, daí uns dias voltou acompanhado, teria transmitido a dica ao companheiro. Comeram lépidos, os cachorros latindo, eles protegidos na árvore. E logo começaram a cuspir as sobras da carambola, juro, sobre os caninos, furiosos, insultados. Desapareceram por semanas, e um belo dia meu ajudante de ordens trouxe a nova, uma surpresa surpresosa, como dizia Padre Daniel Lima, “Dona Luzilá, agora é uma família”. Uma festa, dois macaquinhos diminutos, imitando os pais. Depois desse episódio, foram os louros. A família de papagaios chega logo cedo, comemorando a descoberta da comida fácil, carambola, cajás, azeitonas. Neste começo de outono, vieram as lagartas-de-fogo, instalando-se nas colunas do terraço, onde como todos os anos, acontece o milagre da transformação em borboleta. Hoje mesmo uma delas deixou o casulo, saiu voando, flor amarela  no verde do jardim.

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