O Nazismo era de esquerda?

Alexandre Rands Barros
Economista, PhD pela Universidade de Illinois e presidente do Diario de Pernambuco

Publicado em: 06/04/2019 03:00 Atualizado em: 07/04/2019 16:11

Recentemente o presidente Jair Bolsonaro alegou que o nazismo foi um movimento de esquerda. Logo ele foi seguido pelo seu ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo. A justificativa apresentada por ele foi de que o partido nazista era o Nacional Socialista. Ou seja, como se o nome (incluindo a palavra socialista) já trouxesse em si a essência do partido. Sabe-se que não é bem assim. O Partido Nacional Socialista surgiu exatamente para combater os movimentos comunista e social democrata (ambos de esquerda), que ascendiam na Alemanha desde o final da primeira guerra mundial. Na sua luta pelo poder ele combateu com violência outros partidos, especialmente os de esquerda, que ainda disputavam a hegemonia política. No entanto, ainda sem controle do parlamento, apesar de todos os recursos à violência para atingir esse objetivo, recorreu a um estado de emergência, seguindo a um incêndio no parlamento alemão, para impor controle total sobre processos eleitorais e interações sociais de cunho político.

Utilizando-se de todos os instrumentos de coação, mais fortes até do que se fazia no auge da ditadura militar no Brasil, ainda assim, os nazistas tiveram que recorrer à cassação e à violência contra deputados da oposição eleitos com vista a controlar o parlamento em 1933. Ao fazer isso, conseguiu que vários deles não conseguissem assumir e com isso impôs suas leis de exceção, tornando o parlamento um órgão meramente consultivo e concentrando o poder no executivo. Posteriormente eliminou os demais partidos políticos e o executivo passou a controlar totalmente o poder no país. Ou seja, o Partido Nacional Socialista não era democrático já na sua origem e, quando pôde, impôs um estado de exceção. Ao longo desse processo, ele desmoralizou várias instituições sociais, ferindo princípios básicos da democracia. Por exemplo, criou-se estrutura partidária paralela nos estados e cidades alemãs, que detinham mais poder do que os governos locais. Esses por sua vez, tornaram-se figurativos e subordinados às estruturas partidárias.

Os ideários de esquerda são: (i) a promoção da igualdade de renda, (ii) o desenvolvimento das forças produtivas (maior produtividade) e (iii) a democracia. Os parágrafos acima já mostram que o Partido Nazista não tinha perfil democrata. Ao impor um sistema de controle da economia pelo setor público, também limitou a eficiência econômica, apesar de a Alemanha já contar com uma mão de obra de alta qualificação para os padrões dos países desenvolvidos na época e ter uma defasagem grande de produtividade em relação aos países mais desenvolvidos da época. O período pré-guerra na Alemanha contou com crescimento elevado da produtividade total dos fatores (cerca de 1,8% ao ano entre 1929 e 1938, e mais de 3% entre 1938 e 1944. Dados de Understanding West German Economic Growth in the 1950s por Eichengreen e Ritschl). Ou seja, o nazismo promoveu o desenvolvimento das forças produtivas, apesar de manter a produtividade ainda abaixo do potencial por causa da excessiva intervenção estatal. Tanto que as mudanças institucionais com o fim de sua hegemonia são vistas como um dos determinantes do rápido crescimento alemão no pós-guerra.

Também houve concentração de renda no período antes da guerra em que os nazistas estiveram no poder. A participação dos 1% mais ricos na renda total aumentou de 10,9% em 1933 para 16,0% em 1938, último ano antes da Grande Guerra (Bartels, C. “Top incomes in Germany, 1871-2013”, WID.world Working Paper 2017/18). As políticas adotadas criavam grandes contingentes de excluídos e beneficiavam os mais ricos com generosos suportes governamentais. Ou seja, o Nazismo violava todos os ideários da esquerda de verdade e surgiu para combatê-la. Ascendeu associando a esquerda à instabilidade política e opondo-se a ela. Consequentemente, esse partido jamais foi de esquerda. Na verdade, ele sempre é associado por todos os historiadores relevantes como sendo de extrema direita.

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