Privilégios adquiridos

José Luiz Delgado
Professor de Direito da UFPE

Publicado em: 03/04/2019 03:00 Atualizado em: 03/04/2019 09:18

A lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada. Eis aí importantíssimas garantias que a Constituição assegura. Delas,  a civilização e o homem comum não podem abrir mão jamais. Que certeza, que segurança haveria se a lei pudesse prejudicar o direito já adquirido? Ou retroagir para modificar atos jurídicos que foram praticados e concluídos na conformidade das leis vigentes na ocasião? Ou rever aquilo que já foi julgado por um tribunal imparcial em sentença de que não cabe mais recurso, ou seja, como se diz, “transitou em julgado”?

Mas, quando esses “direitos adquiridos” são na verdade privilégios, e privilégios absurdos e abusivos, legislados por castas em seu próprio favor? Pode esta situação ser confundida com aquela, a dos direitos adquiridos? No caso dos privilégios, não se trata de direitos comuns a toda gente, mas de regras particulares, inventadas e aprovadas por certos grupos em benefício próprio, com nomes e destinatários específicos. São privilégios acintosos, regalias exclusivas, vantagens únicas, nunca compartilhadas com as pessoas comuns. Como poderiam então ser confundidas com “direitos” verdadeiros – que, estes sim, precisam ser protegidos com a garantia de que, uma vez adquiridos, não mais podem ser revogados?

Regime especial de aposentadoria para deputados e senadores? A reforma que o governo está propondo acaba com esse regime privilegiado – mas somente para os futuros. E quanto aos atuais, que já estariam beneficiados com esses privilégios, com a expectativa dessas aposentadorias indecentes, completamente diferente do regime geral das aposentadorias? Ganharam esse “direito” – de fato, essa regalia, essa exceção, essa vantagem exclusiva,  ou, na verdade, deram-se a si mesmos essas benesses? E isso tem de ficar para sempre? Privilégios escandalosos, legislados em favor dos próprios legisladores, constituem “direitos” em que não mais se pode tocar? Planos de saúde vitalícios para senadores e deputados, que os protegerão mesmo findos os mandatos? Do mesmo modo: pura regalia autoconcedida. Constituem “direito” adquirido, em que não se pode mexer?

Penso que este é ponto em que o Direito precisa evoluir. Como já fez em tantos casos. Como caracterizar e identificar esses privilégios, para os distinguir dos direitos verdadeiros? No mínimo, seriam elementos dessa caracterização, um, o fato de que beneficiam essencialmente uns poucos, os grandes, nunca os pequeninos, beneficiam os que já estão nas mais altas posições da sociedade, beneficiam as castas. Outro, o fato de que são autoconcedidos, são feitos em favor dos próprios parlamentares ou de corporações poderosas e influentes que pressionam os parlamentares.

Uma grande doutrina jurídica precisa ser construída para firmar essa distinção e permitir que, se os direitos devem ser integralmente respeitados, os privilégios possam ser suspensos e revogados. Por que não se poderia mexer em tamanhos absurdos? Pelo fato de que constituem  “direitos adquiridos”? Não, não constituem. São acinte, são escândalo e o Direito precisa evoluir para poder revogá-los. Afinal, o único objetivo do Direito é a justiça e simplesmente não é justa a manutenção de privilégios abusivos, porque nunca fora justa a sua criação.

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