O fantasma da Lava-Jato

João Pedro Guerra
Advogado criminalista e especialista em Ciências Criminais.

Publicado em: 28/03/2019 03:00 Atualizado em: 28/03/2019 09:19

Ao deferir o pedido de liminar no habeas corpus impetrado pela defesa do ex-presidente da República Michel Temer, o desembargador federal do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, Ivan Athié, relator do caso, teceu amplos elogios ao juiz Marcelo Bretas, responsável pelo decreto de prisão preventiva.

Afirmou, ainda, não ser contrário à Operação Lava-Jato, ao tempo em que buscou deixar claro o desejo de ver a corrupção expungida da engrenagem institucional brasileira.

Ao lançar mão dos sobreditos argumentos, o desembargador pareceu não estar confortável com eventuais repercussões negativas da sua decisão. Evidentemente, trata-se de um caso antipático. Afinal, ao ex-presidente e aos demais investigados são imputados crimes graves, supostamente cometidos ao longo de décadas. Essas infrações penais, caso comprovadas a autoria e materialidade em sede processual, revelam o que há de mais pernicioso na república brasileira: o fisiologismo que aniquila as bases democráticas e institucionais do país há séculos.

Contudo, o contexto da prática criminosa e a gravidade abstrata dos delitos imputados ao ex-presidente, na análise do habeas corpus, são irrelevantes. O julgador deve restringir-se à aferição da (i)legalidade e da necessidade da manutenção da prisão preventiva à luz do texto constitucional e da legislação processual penal de regência, sem qualquer preocupação de cunho moral.  

O desembargador Athié, embora tenha reconhecido a ilegalidade da prisão decretada, se viu compelido a enaltecer a Operação Lava-Jato e a bendizer o juiz Bretas. Não precisava. E nem devia. Utilizou-se de uma justificação de natureza moral, absolutamente dispensável à formação de um juízo de legalidade da prisão.

A moral e o direito são como óleo e água, são autônomos e não se intercomunicam. Como ensinam os grandes estudiosos da hermenêutica e da teoria da decisão judicial, como Lenio Luiz Streck, “o Direito é um conceito interpretativo e é aquilo que é emanado pelas instituições jurídicas. E as questões a ele relativas encontram, necessariamente, respostas nas leis, nos princípios constitucionais, nos regulamentos e nos precedentes que tenham DNA constitucional, e não na vontade individual do aplicador. Ele possui, sim, elementos fortes decorrentes de análises sociológicas e morais. Só que estas, depois que o direito está posto, não podem vir a corrigi-lo.”

O fantasma da operação Lava-Jato e os seus desdobramentos, amplamente explorados pela grande mídia, continuam a influenciar os ânimos dos operadores do direito, mormente aqueles que ocupam os órgãos de controle e de persecução penal. “Ir contra a maré” do combate à corrupção e à criminalidade pode soar antiquado e, pior, complacente.

Todavia, importante destacar que o compromisso do Judiciário e do Ministério Público é com a Constituição e com o seu projeto democratizante. Operações vêm e vão. A integridade do Estado de Direito, por outro lado, é imorredoura.

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