Projeto de Lei Anticrime

Célio Avelino
Advogado

Publicado em: 26/03/2019 03:00 Atualizado em: 26/03/2019 08:48

O projeto de lei de autoria do ministro da Justiça Sérgio Moro, apelidado pelo próprio autor de “Projeto de Lei Anticrime”, de Anticrime só tem o nome. Embora repleto de boas intenções e com o apoio de grande parte da mídia e da sociedade, esse projeto constitui, na minha modesta opinião, um grande equívoco, fruto da mentalidade daqueles que entendem que o aumento das penas inibe a prática de crimes.

Leis mais rigorosas não inibem a criminalidade.

O projeto ignora que em nosso país, infelizmente, a regra é a impunidade, sendo a responsabilização dos autores uma exceção. Não é possível que apenas 6% (seis por cento) dos homicídios ocorridos no Brasil sejam solucionados, que os seus autores sejam apontados à Justiça. 94% (noventa e quatro por cento) desses homicídios permanecem impunes, sem, ao menos os seus autores serem conhecidos e apontados à Justiça.   

A gravidade da pena, o maior rigor no cumprimento da sentença condenatória, a criação de leis mais punitivas, a execução provisória da sentença condenatória, não inibe o cometimento de crimes, como entende o projeto. A certeza da punição é muito mais eficaz do que a gravidade da pena.

Por outro lado, não é possível, como estabelece o projeto, combater o crime com a execução provisória da condenação, encarcerando-se o acusado antes do trânsito em julgado da sentença. Uma pena de prisão nunca poderá ser provisória, será sempre definitiva, pois não há que se falar em restituir a liberdade perdida. E nem isso é do nosso ordenamento jurídico.

O artigo 283 do Código de Processo Penal é claro: “Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva”. Não há na nossa legislação a pretendida execução provisória da sentença condenatória, constante do “pacote” do Ministro da Justiça, que, pelo menos nesse aspecto, agride e viola a Constituição Federal.

Sob a premissa de assegurar a execução provisória da condenação criminal após julgamento em segunda instância, pretende o projeto mudanças no Código de Processo Penal, que passaria a contar com o Art. 617-A, com a seguinte redação: “Ao proferir acórdão condenatório, o tribunal determinará a execução provisória das penas privativas de liberdade, restritivas de direitos ou pecuniárias, sem prejuízo do conhecimento de recursos que vierem a ser interpostos.” Ora, se durante a fase de instrução e julgamento do processo o acusado estava em liberdade, nenhum prejuízo acarretará à justiça (JUSTIÇA!) que o mesmo assim permaneça até o trânsito em julgado de sua eventual condenação.

A respeito do dever de obediência à nossa Lei Maior que todos nós temos, é sempre bom lembrar o histórico discurso do deputado Ulisses Guimarães, na qualidade de presidente da Assembleia Nacional Constituinte em 5 de outubro de 1988, que disse: “A Constituição certamente não é perfeita. Ela própria o confessa, ao admitir a reforma. Quanto a ela, discordar, sim. Divergir, sim. Descumprir, jamais. Afrontá-la, nunca. Traidor da Constituição é traidor da pátria.”

O que não se afigura correto, é a alegação de que a execução provisória da sentença condenatória evitaria a procrastinação do processo, pois o acusado se valeria da interposição de múltiplos recursos. Esse argumento não pode prevalecer. O retardo na prestação jurisdicional, o atraso no término do processo, não está na alegada e inexistente multiplicidade de recursos, mas na conhecida e histórica morosidade da justiça. O maior prazo que há para interposição de recursos é de quinze dias, enquanto o seu julgamento leva anos.

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