Muros & muros

Bartyra Soares
Membro da Academia Pernambucana de Letras

Publicado em: 21/03/2019 03:00 Atualizado em: 21/03/2019 10:03

Após a queda do muro de Berlim, imaginava-se ser O último da história contemporânea, que durante 28 anos dividiu a Alemanha em dois blocos, em nome de ideologias divergentes, e com ele, a “faixa da morte”, extinguia-se com seus sistemas de alarme eletrônico de pontual precisão. Junto a isso, as armas automáticas, suas torres de vigilância e patrulhas acompanhadas de cães farejadores, 24 horas por dia, era de se esperar, ante tamanha crueldade, que esse capítulo da história nunca mais se repetisse.

Muitos tinham a convicção de que essa página já estava definitivamente virada. Herança de séculos que até antecedeu as muralhas da China e, posteriormente, na era medieval, também foi comum o erguimento de muros à volta das cidades europeias e de outros continentes, com o propósito de protegê-las dos invasores, já não mais teriam, nesses moldes, razão de existir. Portanto, julgava-se que a construção de um muro jamais se tornaria promessa de campanha eleitoral.

Mas a promessa ocorreu. E tudo indica que em breve veremos o fato acontecer, acarretando, para isso, uma quantia astronômica. Serão cerca de US$ 6,7 bilhões na construção de 375 quilômetros de um muro de aço edificado na fronteira sul dos EUA, separando este país do México.

Na verdade, todos os muros da história da humanidade são e foram edificações devastadoras, quer onde foram erguidos, quer os motivos, sempre gerando antagonismos de opiniões. Mesmo assim, se presencia com tristeza o surgimento de novas barreiras eletrificadas, separando pessoas, destruindo o encanto de arquitetados sonhos e desejos. A realidade é complexa. Envolve questões de segurança, de preservação da autonomia territorial, coisas que seriam de “boa vizinhança” como o projeto que deu certo, sem muros, da iniciativa de Franklin D. Roosevelt durante a Conferência Pan-Americana de Montevidéu, há várias décadas, trazendo benefícios às relações políticas estadunidenses com os países da América Latina.

No entanto, não é isso o que se programa. É dolorosa a imagem das agências noticiosas mostrando o flagelo de migrantes fazendo tudo para não morrerem de fome, sede, frio, descrença. São crianças, idosos, homens e mulheres vítimas da barbárie do autoritarismo e do desinteresse pela dor alheia, a vontade predominante do populismo da esquerda ou da direita.

Muro é uma providência que  coloca em jogo os direitos democráticos básicos da existência, que choca e inquieta a humanidade. As causas que provocam sua construção infelicitam seres humanos, por seu caráter advindo de uma brutalidade alucinante. Parece utópico falar assim. No entanto, é necessário demolir construções separatistas, inclusive aquelas que geram a chamada “doença do muro”, as denominadas barreiras erguidas na interioridade da imaginação. E que muitas pessoas com depressão, mania persecutória e impulso suicida, carregam, quase sempre, resguardadas em segredo.

São determinados tipos de muros que tornam muitos indivíduos prisioneiros sem grades ou correntes. Talvez sejam as muralhas mais difíceis de transpor, tamanho o alcance do seu poder invisível elaborado nas internas represas humanas entrecruzadas de pedras e rejeição, ferro e relento, concreto e angústia, que, se não houver um novo rumo para os acontecimentos, acabarão por colocar a humanidade ante um muro realmente intransponível.

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