Repentistas, poetas do improviso

Giovanni Mastroianni
Advogado, administrador e jornalista

Publicado em: 16/03/2019 03:00 Atualizado em:

Não existe na história da cantoria uma documentação que comprove a origem dos cantadores de viola, também conhecidos, no país, principalmente no Nordeste, como repentistas. Nem mesmo o famoso folclorista potiguar Luís da Câmara Cascudo, indiscutivelmente, o maior pesquisador do folclore nordestino, chegou a uma conclusão, sendo dele estas palavras: “Não conheço documentação sertaneja anterior ao século 18”. Os repentistas brasileiros, com sua capacidade de improvisar, surgiram nos primeiros anos do século 19, segundo registros constantes nos anais pesquisados pelos historiadores. O que se presume dos repentistas, autênticos desafiantes, é de haverem surgido em terras europeias, para muitos na Grécia, embora não haja comprovação historiográfica dessa afirmativa, apesar do próprio Luiz da Câmara Cascudo haver admitido essa possibilidade.
Tão controversas são as hipóteses que alguns historiadores admitem uma ilação dos cantadores nordestinos do Brasil com os trovadores de Provença, na França. Outros concluem pelo surgimento em Portugal, bem como há hipóteses de haver sofrido influência dos árabes.
Nas exibições públicas, os violeiros nordestinos, nos seus desafios, tocam e cantam de improviso (repente) prosas e versos, geralmente com acompanhamentos musicais, que podem ser tanto o violão como o pandeiro, porém, preferencialmente, a viola.
Confesso, com desagrado, haver sido vítima de uma dupla de cantadores, quando participava de uma festejo, em Lagoa dos Gatos, na fazenda da família Lyra (Fernando, João Filho e João Neto, respectivamente, ex-ministro, ex-prefeito e ex-governador). Certamente instigados por um deles, a dupla acolheu o mote, cujo tema referia-se a mim. Nessa época, a nota de mil tinha gravada a figura de Cabral, o navegador e descobridor português. Os repentistas, fazendo alusão aos economizadores, vulgarmente conhecidos como “mãos de figa”, em suas improvisações alusivas a mim, declamaram que eu era tão econômico que, quando adquiria uma nota de mil, apertava tanto a cédula que a figura de Cabral colocava a língua de fora. Demonstrando tranquilidade, aceitei a brincadeira, apesar da irreverência, certamente sugerida por algum dos presentes..
É rica a safra de repentistas de Pernambuco, merecendo destaque especial Ivanildo Vila Nova. Seguem-se nomes como os de José Carlos, do Pajeú, Oliveira, de Panelas, Luciano Leonel, João Lídio, José Ivo, Maurício Lima, Luiz Batista, João Bosco Evaristo, estes dois últimos cegos, e tantos outros nomes famosos.
Seria injusto de minha parte, dissertar sobre os cantadores  nordestinos e omitir o nome de Severino Lourenço da Silva Pinto, compositor, cantador e improvisador, o maior repentista violeiro de todos os tempos: Pinto do Monteiro, que se constituiu em um grande mito. Seu maior rival, creio eu, foi Patativa do Assaré, considerado um dos maiores poetas populares do Brasil, cujos livros foram traduzidos em vários idiomas, servindo de tema de estudos, na Sorbonne, é o autor da toada Triste Partida, que tem por  tema os retirantes, gravada pelo famoso sanfoneiro de Exu, Luiz “Lua” Gonzaga.


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