O silêncio pode ensinar

Gilberto Marques
Advogado criminal

Publicado em: 15/03/2019 03:00 Atualizado em: 15/03/2019 08:46

O Rio de Janeiro continua lindo. Apesar de todas as loas e da Ararinha Azul. Uma nuvem sombria pousou nos braços abertos do Redentor. Governadores e deputados presos no arrebol. O fim é o começo. Tanques desfilam ruidosos. A noite se acende com o toque dos fuzis. São Paulo enfrenta dilúvios. Sem Noé e sem arca as árvores aprontam fogueiras molhadas. O redemoinho, das ladeiras, desabriga e fala de morte. Mais não para nos trovões. Nem tampouco na dor que poderia ser evitada.    

Dois malucos ressentidos atacam crianças e adolescentes. Curioso! Nos atentados, desse porte, às escolas, crianças, estudantes, professores, funcionários são o alvo. Talvez motivados pelo riso fácil, pela alegria que ulula no recreio. Correm lépidas, muita fala. Riem à toa. Felicidade incomoda, inveja mata. Um matou o outro.

É comum nos ataques o suicídio do epílogo. Na morte intentam o brilho que não houve na vida. Na verdade mal resolvida, patrocina um mega show no último ato. Não aguenta conviver consigo mesmo. Perturba-se com a iniquidade que lhe assalta, o espírito, toda hora, o tempo todo. A dor do insucesso recheia a vaidade exprimida.

Prepara o roteiro, rumina o ódio, escolhe o cenário. Na cesta o pão é a pistola, o recheio a munição. A toalha, do piquenique, é negra no luto planejado. Cuidadoso e lento, frio e calculista refestela-se no mal que antecede o gesto. Quanto mais câmeras melhor. A trilha sonora é a sucessão dos estampidos.  Os tambores, do revólver, gritam ratatatá. A pistola cospe as cascas do petardo infernal.

As cartas nem sempre explicam o epitáfio. No auge do delírio, psicótico, arco, flecha, machado completam a trama sanguinária. A tragédia de Suzano ficou no roteiro e na sonoplastia do videogame – o treinador da sanha. Na vida real correria, grito, choro. Alguns conseguiram se safar na corrida de obstáculos. Verdadeiros heróis, uma menina desarmou o machado. Neste caso o diagnóstico não aponta psicopatas. Psicopata não tem remorso. Não se arrepende. Não se mata. Ali a magarefada se fantasiou na inveja e no ressentimento. Cobriu-se no compasso da vingança. Mataram o tio que flagrou o furto qualificado e correram pra escola que não serviu ao saber.   

Enfim a calçada da fama. Microfones e refletores. A notoriedade na peroração é o último desejo do condenado por si mesmo. A ribalta, o prêmio da mídia. O Zé Ninguém na pluralidade das lentes. Câmeras atenção, claquete: filmando.

Paro, penso, choro pelas crianças. Em nome dos brasileirinhos peço e rogo. Proponho um pacto, porém: no lugar do clássico minuto de silêncio em homenagem às vítimas indefesas, o silêncio eterno do não. Sem rosto e sem nome queimem o assunto. É o malogro do plano. Negue-se a imortalidade aos acadêmicos do horror.

O fogo eterno do reino de Lúcifer pode começar pelo forno da cremação. Larvas e baratas merecem cardápio melhor. O fim da história, sem contador pra contar é um bom começo. O discurso do silêncio de Cícero, no Senado Romano, ecoa até hoje. Jornais e revistas de todos os matizes psiu... Deixem a lágrima correr calada. O silêncio pode matar a ideia do matador. Sem repercussão não há motivação.

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