O Hino, por que não?

José Luiz Delgado
Professor de Direito da UFPE

Publicado em: 14/03/2019 03:00 Atualizado em: 14/03/2019 10:03

Nunca repeti um artigo. Mas agora, diante da boa ideia do ministro da Educação (a que bobamente acrescentou as idiotices de mandar filmar e ainda verbalizar slogan da campanha), vou reproduzir um, A emoção do hino, que escrevi a propósito da derrota das diretas-já, na Câmara dos Deputados (14 de maio de 1984, neste mesmo Diario). É o texto que se segue, apenas com alguns cortes.

Quem admitiu varar a madrugada de 25 para 26 de abril, acabou reconfortado por espetáculo do melhor civismo: proclamado o resultado da votação, as galerias e a notável maioria dos deputados não ergueram vaias, não prorromperam em gritos de revolta, mas se deram as mãos e começaram a entoar o Hino Nacional.     

Imagino o que deve ser, no estrangeiro, ouvir o Hino Nacional ou ver tremular a bandeira brasileira, aquele retângulo verde e amarelo de nossas esperanças e de nossa fidelidade. O Hino e a bandeira não pertencem a ninguém, sendo, como são, de todos, da melhor parte de cada um. Curioso, aliás, na história do hino, que haja ele sido praticamente imposto pelo povo. Pois falharam as sucessivas tentativas oficiais de criar um Hino Nacional em concursos públicos formais. A música, composta como Marcha Triunfal, por Francisco Manuel da Silva, para comemorar a Independência, veio a obter extraordinária popularidade a partir da Abdicação e ficou sendo uma espécie de canto patriótico do Império. Quando a nascente República resolveu definir, em concurso, um Hino Nacional, e inspiradas composições concorreram, a decisão do júri (favorável à peça de Leopoldo Miguez) teve de ser preterida diante do clamor popular que exigiu fosse tocada a Marcha de Francisco Manuel e prorrompeu em verdadeiro delírio, uma vez terminados os seus acordes. Deodoro tomou, na hora, a decisão definitiva: “prefiro o velho”. E logo baixou decreto oficializando a música, simplesmente 67 anos depois de composta e 25 anos depois da morte de seu autor.

Decisão popular semelhante aconteceria com a escolha da letra. A melodia passara quase um século sem uma letra própria, embora vários textos tivessem sido criados. Também várias vezes propuseram a realização de um concurso público – em 1909, 1911, 1921. Mas, um poema de 1909, composto por Joaquim Osório Duque Estrada, viera crescendo na simpatia popular, considerado tão apropriado que apenas alguns de seus versos receberam críticas (levando o autor a proceder a melhoramentos, em 1916), até que o Congresso autorizou o presidente a adquirir a propriedade plena da letra e declará-la oficial, o que Epitácio Pessoa fez em 6 de setembro de 1922. O concurso público acabou dispensado. O coração do povo já havia consagrado o poema.

Entre os casos em que pode ser executado, a lei inclui o intuito de exprimir regozijo público e manifestar o sentimento patriótico. Foi o que sucedeu na madrugada de 26 de abril. O Hino transcende divisões, supera antagonismos, paira acima de todos, do oposicionista e do governista, do preso e do carcereiro, do censurado e do censor. Uma campanha que, na hora do revés, se volta para o Hino Nacional, e não para qualquer revolta ou baderna, é campanha em si mesma vitoriosa. A nação não quer desordem, nem agitação, nem subversão. Quer falar; quer escolher o presidente, como outrora escolheu o Hino. Quer renovar e aperfeiçoar a fé cívica, tão belamente traduzida na letra e na música do Hino. Não é possível que o governo não a ouça.

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