Do meu tempo de juiz de direito

Vladimir Souza Carvalho
Magistrado

Publicado em: 13/03/2019 03:00 Atualizado em: 13/03/2019 09:11

Não tínhamos fórum, muito menos sala para júri. A solução foi bater às portas da sede do clube dos servidores do Banco do Brasil, sala ampla, cadeiras e mesas aptas a serem adaptadas para a platéia e para os jurados. Eu mesmo comandei a arrumação, ficando no centro, cercado pela acusação e pela defesa. Foi o primeiro júri que presidi. Ano: 1979. O acusado foi absolvido. De volta ao hotel, o dono criticou a decisão: a Justiça soltava um assassino. Repliquei, educadamente: a decisão de inocência foi dada pelos jurados, todos daqui. O homem ficou calado. Eu, me dei por satisfeito.

Outra vez, já juiz de outra comarca, recebi a visita, em minha casa, em horário inoportuno, de um chefe político de um dos termos, acompanhado de um cidadão, que desejava me expor um problema. A exposição foi cortada logo no início ante a crítica feita a Justiça no seu tudo, colocando o Poder Judiciário lá embaixo. A frase saiu pela metade: É porque a Justiça... A minha intervenção foi instantânea. Fiz discurso: o senhor tem algum processo na comarca? Não tinha. E o motivo de estar na casa do juiz e menosprezar a Justiça? O homem não esperava minha reação. Ficou mudo. Não falou mais nada. A visita estava encerrada. Saíram os dois.

No fórum, algumas pessoas, que lá batiam às portas, com certa frequência, alegavam que nunca tinham ido à uma delegacia, imagine ao fórum. Eu ficava danado. O senhor acha que o fórum é lugar inadequado para uma pessoa de bem? Era a frase com que iniciava a minha peroração. Trabalho aqui há muitos anos e me considero um ótimo cidadão. A pessoa queria se explicar, atolado numa gagueira monossilábica. Arre!  

Mas, tinha também os momentos de alegria, quando uma das partes, geralmente a mulher, em ação de alimentos, ao ser indagada o quanto estava a pedir, respondia que o que o juiz decidisse estava ótimo. Era o retrato da confiança no Judiciário, oriundo de pessoas humildes. Algumas, depois, me levavam ovos, que eu agradecia e repassava para o porteiro. O meu tempo de juiz de direito escancarava as portas para fatos dessa natureza. 

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