Cabela. O coração da troça Ceroula de Olinda

Jairo Cabral
Mestrando em História na Unicap

Publicado em: 01/03/2019 03:00 Atualizado em: 01/03/2019 09:12

Antônio Aurélio Sales, popularmente conhecido como Cabela, nasceu no sítio histórico de Olinda, na Rua da Boa Hora, em 15 de abril de 1939. Olindense da gema sempre esteve envolvido com as manifestações populares e religiosas da cidade que tanto amava. Era membro da Irmandade do Nosso Senhor Bom Jesus dos Passos e um dos organizadores da secular Procissão dos Passos, que reconstitui, segundo a liturgia católica, o caminho percorrido por Jesus até o calvário. Recolhia de porta em porta, através de um livro de ouro, contribuições dos moradores para a realização cuidadosa desse importante ato de fé, um dos pontos altos do calendário religioso de Olinda.

Cabela, torcedor do Santa Cruz,foi um zagueiro dos bons, envergando a camisa do Clube Atlético Olindense nas peladas na praia e a camisa do Bonfim que participava dos disputadíssimos campeonatos promovidos pela Liga Olindense de Desportos. Também era considerado pé de valsa namorador e exibia suas habilidades de dançarino, nos encontros de brotodo Clube Atlântico, nas festas da Pitombeira dos Quatros Cantos e nos bailes do Oriente. O carnaval, no entanto, era a sua festa predileta. Como bom boêmio gostava de tomar umas e outras e cair no passo. Em 5 de janeiro de 1962, junto com Arthurzinho Ferreira, Gilvan Machado, Jamones Gois, Lúcio Rodrigues e Lucilo Araújo, Cabela fundou a Troça Carnavalesca Ceroula de Olinda, fruto da dissidência da Troça O Pijama, cuja fama de briguenta angariava antipatia e afastava quem apenas desejava se divertir na folia momesca. Metido a gozador, inventou uma brincadeira que ora chateava, ora provocava o riso dos ceroulenses. Sorrateiramente apalpava o músculo glúteo dos companheiros e perguntava: tem pente aí?

A Ceroula começou pequenininha como uma agremiação de amigos, de familiares e com o passar do tempo foi agregando simpatizantes que se identificavam com a troça. Em 1969, ano em que os norte-americanos Michael Collins, Buzz Aldrin e Neil Armstrong foram à lua, em uma grande farrana casa de Rui Moreira, casado com Ivone, irmã de Cabela, o boêmio seresteiro Milton Bezerra de Alencar, compôs o Hino da Troça. A composição de letra fácil e de melodia simples, feita em tom de brincadeira, caiu no gosto do povo, o que transformou o hino da Ceroula em um dos mais executados do carnaval pernambucano e ajudou a trazer para a troça inúmeros aficcionados. É um alegre deleite ver o cortejo ceroulense descendo a Rua 15 de novembro, conhecida como a ladeira da prefeitura, no sábado de carnaval, cantando a plenos pulmões: “Eu vou este ano à lua, não é privilégio foguete já tem. Eu quero ver se o carnaval de rua, Collins, Aldrin e Armstrong, falam que vai bem. Eu quero ver se tem troça que escolha, como em Olinda que tem a Ceroula, mas se tiver para mim é legal, passarei lá na lua todo o carnaval”.

Sob o comando de Cabela, figura carismática e quando queria era hábil negociador para resolver problemas e contornar situações de impasse, a Ceroula cresceu, agigantou-se, arrastando a cada ano, um número crescente de pessoas. Na condição de Presidente de Honra, já um pouco afastado, era um ponto de apoio importante, como fonte de consulta e de aconselhamento, a quem se recorria para dirimir divergências e superar entraves. Neste ano de 2019, acontecerá o primeiro carnaval sem a mediação de Cabela. A diretoria irá se deparar com enormes obstáculos e pela importância da Ceroula para a cultura carnavalesca de Pernambuco, enquanto patrimônio vivo, é preciso zelar pela agremiação, adotando as melhores práticas de gerenciamento e refazendo o espaço de sociabilidade, de modo a recepcionar com tolerância as diferenças entre os seus membros e a romper com os ultrapassados e ineficientes métodos de gestão. O carnaval vem aí e o desafio está lançado. A propósito: Cabela, tem pente aí?

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