A reforma da Previdência

Maurício Rands
Advogado formado pela FDR da UFPE, PhD pela Universidade Oxford

Publicado em: 25/02/2019 03:00 Atualizado em: 25/02/2019 08:41

Quem não estiver apenas jogando para a torcida sabe que o país precisa de reformas para equilibrar as contas públicas. Que isso é básico para retomar o crescimento. E que a reforma da Previdência é importante para esse equilíbrio. Mas sabe também que reconhecer a sua necessidade não implica a aceitação de qualquer projeto. E sabe que ela não basta. Outros passos precisam ser dados para o equilíbrio fiscal e a boa ambiência para os investimentos: desburocratização, austeridade na administração pública, reforma tributária, choque de competitividade, fim do oligopólio dos bancos e reformas microeconômicas.

A PEC nº 06/19 tem impacto nas contas públicas, mas também nas vidas de 100 milhões de trabalhadores, incluídos servidores dos estados e municípios. Além das gerações futuras. Todos atingidos de maneira distinta. Trata-se do projeto mais amplo já apresentado. Analistas como Mendonça de Barros estimam que uma economia de R$ 600 bi e crescimento do PIB a 2,5% serão suficientes para equacionar as contas públicas em 10 anos. Esse é um valor bem inferior aos estimados R$ 1 tri por Paulo Guedes. O que sugere margem para corrigir injustiças, gorduras e bodes candidatos ao matadouro.  

Algumas premissas precisam guiar o debate sobre cada item da PEC. Num país injusto e desigual, a primeira é a de reconhecer que alguns segmentos mais vulneráveis têm que ser preservados. Como as pessoas que recebem o Benefício de Prestação Continuada (BPC), os trabalhadores rurais e os demais de baixa renda. Se aprovada a proposta, idosos carentes, entre 60 e 70 anos, poderiam ter de sobreviver com R$ 400,00 ao mês. A aposentadoria integral pelo teto passa a ser uma quimera. Qual trabalhador de baixa renda consegue somar 40 anos de carteira assinada? A segunda premissa é que o equilíbrio fiscal não pode ser buscado apenas na diminuição da despesa pública com a previdência. Outros componentes dessa despesa devem ser enfrentados. Mas também o lado da receita pública. A começar pela maior contribuição fiscal que deve ser dada pelo andar de cima, como é o caso do setor financeiro tão bem representado pelo ministro Paulo Guedes. O ministro poderia ter dado o exemplo e proposto algum modelo de aumento da participação do seu setor na geração das receitas fiscais do estado brasileiro.

A PEC 06/19 já suscita controvérsia jurídica em vários pontos. Qual o patamar de alíquotas em que o STF vai continuar impedindo a tributação com efeito de confisco?  A alíquota bruta de R$ 22 mil para a faixa acima de R$ 39 mil? Será constitucional a concessão de benefícios como BPC e pensão por morte inferiores ao salário mínimo? A desconstitucionalização da previdência social (art. 40, §1º, da CF, na redação do art. 1º da PEC 06) será aceita pelo STF à vista de que a proteção social e a segurança jurídica são direitos fundamentais?

Para o governo, a espinha dorsal de sua proposta é o combate à fraude e à injustiça. Sobretudo a existente entre a cúpula do funcionalismo e a grande massa de assalariados de baixa renda. Mas existe outra desigualdade. A dos muito ricos que sequer precisam de previdência. Afinal, padecemos tanto da desigualdade de renda quanto da desigualdade de riqueza. Por isso, o combate ao déficit fiscal deve incluir medidas para distribuir a riqueza. A começar pelos bilionários e muitos ricos. Basta lembrar que os bancos aumentaram os lucros mesmo quando o resto do Brasil amargava o empobrecimento pela crise iniciada no governo Dilma.

Nas esquerdas, o debate desenvolve-se entre os que simplesmente querem barrar qualquer proposta de reforma da previdência e aqueles que defendem a apresentação de uma proposta alternativa. Os primeiros argumentam que os números do déficit não seriam reais. Interessa-lhes mais marcar posição do que tentar influir no modelo a ser definido. Os segundos preferem apresentar um modelo alternativo de previdência e, assim, não perder a oportunidade de proteger os interesses dos menos favorecidos. Penso que alguma reforma será aprovada. Os mais pobres perdem muito com a situação atual em que o estado fica imobilizado pelo déficit público. Perdem porque as políticas de educação, saúde e segurança ficam com recursos insuficientes. Perdem porque a economia não cresce e não gera empregos. Por isso, ao invés de simplesmente marcar posição, o desafio para os que de fato pensam nos desfavorecidos é enfrentar o debate. Procurar corrigir as injustiças da PEC 06. Mas indicar alternativas para um modelo de previdência sustentável. E, ao mesmo tempo, sugerir caminhos para que os detentores da riqueza também participem no esforço de geração de receitas e redução das despesas públicas.

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