Um poeta e o menino

Luzilá Gonçalves Ferreira
Doutora em Letras pela Universidade de Paris VII e membro da Academia Pernambucana de Letras

Publicado em: 20/02/2019 03:00 Atualizado em:

Aconteceu sábado passado e o céu não anunciava chuva. A estátua do poeta, declamando, um texto de poema à mão, cercada de plantas, coqueiro, flores, como ele amava. Logo à frente, a praia, o mar de Itamaracá, manso e verde, que ele cantou e gravou, um belo texto que chamou de Itamaracanto. O mesmo mar em que costumava pescar, ao lado de Jaffet, o pai, os dois tão jovens em seus mais de oitenta anos, memoráveis noites de pescaria como aquelas que outro poeta cantou, o Joaquim Cardozo que também amava as plantas, os cajueiros floridos, os rios pernambucanos. Os amigos haviam acorrido ao convite de Glória, a bem-amada, para festejar outra glória. A do poeta que fora  menino de engenho no Laureano, mimado pelos avós, que cantara o Nordeste ao modo dos cantadores, as árvores da Mata Sul, as lavadeiras cantando e batendo roupa no rio, os pássaros e seu canto, todo um mundo que permanecerá vivo na fala poética. Que também mergulhara na história da América Latina, exaltara seus heróis, e aqueles da tragédia antiga, dos mitos gregos. E até a ausência de um animal querido, cuja morte transformou em poema. Canções, cordéis, sonetos, epopeia, peça de teatro, ensaios,  ele abordou quase todos os gêneros com que a arte literária busca dar conta de nosso espanto de estar no mundo. Ao lado da estátua, em bronze, tendo  o texto do poema O menino condutor, Marcus Accioly parecia recitar, menino condutor de sua arte, imortalizado no mármore idealizado por Francisco Brennand. Os amigos disseram presente, Margarida Cantarelli, Reinaldo Oliveira e José Mário representando a APL, da qual o poeta fazia parte. Autoridades que eram também amigos: Marcelo Canuto e Severino Pessoa, da Fundarpe, o prefeito de Itamaracá e a esposa que é também secretária de cultura, vereadores da cidade, E como não poderia deixar de ser, Lia, a grande artista, personagem vivo da arte pernambucana, que tornou conhecido o nome de Itamaracá no resto do Brasil. Há uns meses Margarida e eu passamos um dia de não se esquecer, na casa à beira-mar, onde Marcus escolhera se recolher, depois de ter deixado sua Olinda querida. Cuidado pelo carinho de Glória, inspiradora e primeira leitora atenta da enorme produção poética  que Marcus nos deixou. Conversamos sobre nossas adolescências, lembrei o poeta quase menino, ao lado dos irmãos Geber e Nestor, já então escrevendo poemas. E vimos alguns dos originais que Marcus nos deixou e que Glória, certamente fará publicar, para deleite dos leitores do grande poeta que ele foi. 

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