Tragam-me a cabeça de Lima Barreto. Genial

Raimundo Carrero
Escritor e jornalista

Publicado em: 18/02/2019 03:00 Atualizado em: 18/02/2019 08:57

Semana passada o Recife viu uma peça de teatro com o seguinte título – Tragam-me a cabeça de Lima Barreto, criação livre da Companhia dos Comuns, enfocando a vida e, sobretudo, a obra deste autor que revolucionou a literatura brasileira no começo do século XX, pouco antes do modernismo de 22, justo o ano em que morreu, mas que foi desconsiderado pela crítica literária da época, visto apenas como um negro bêbado e gay, embora genial crítico social, escrevendo uma obra que ficará para sempre. Eternamente.

Irrita e intriga que ainda hoje alguns estudiosos vejam nele apenas um escritor ressentido. Não é bem assim. Lima enfrentou a sociedade da época que transformara a literatura num mero deleite social, destinada ao delírio de desocupados, com desfile em clubes e participação em eventos insignificantes. Era o tempo dos parnasianos. Antecipando-se ao Modernismo, o autor de Cemitério dos Vivos investiu na defesa dos negros, por exemplo, o exigia o mesmo de Machado de Assis, que preferiu o encanto de uma Academia de Letras que, na época, não tinha qualquer empenho social. Machado amava a glória, é verdade, mas não vou cometer a estupidez julgá-lo um burguesão alienado. Era igualmente genial e seu conto A Causa Secreta desperdiça a vaidade humana e critica violentamente o desejo de ascensão a qualquer custo.

Mesmo assim, percebo que Recordações do Escrivão Isaías Caminha seria hoje um livro necessário, sobretudo num momento em que o Brasil é um país confuso e desorientado, sem saber exatamente o que fazer, tocado pelo demônio do crescimento econômico sem objetivo e sem rumo, que considera todas as alternativas desde que não tenha o povo com meta central. Desalentador.

No Oficina de Criação Literária estudamos Recordações do Escrivão Isaías Caminha , de Lima, com destaque para esta ironia corrosiva que começa por critica as relações familiares, vendo no pai um herói, uma figura masculina incontestável, que exibia fazendo perguntas difíceis ao filho. Por isso via ali o “espetáculo do saber do meu pai’, enquanto a mãe, doméstica, enquanto a mãe “aparecia triste e humilde”, reduzida a uma senhora sem sonhos e sem vontade. Uma sombra vagando pela casa a cumprir obrigações e deveres. Sem direitos.

A Oficina de Criação Literária procura, assim, despertar o espírito crítico dos seus alunos para construção social brasileira.

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