Marly Mota, uma pernambucana

Luzilá Gonçalves Ferreira
Doutora em Letras pela Universidade de Paris VII e membro da Academia Pernambucana de Letras

Publicado em: 12/02/2019 03:00 Atualizado em: 12/02/2019 09:12

Ela foi menina de engenho na casa dos avós, tomou caldo de cana e leite no curral, banhos de açude e de rio, naquele tempo de águas cristalinas. Passeou de charrete em meio ao canavial, cercado pelas matas onde se via de vez em quando os saguins pulando pelas altas árvores. Aprendeu os cantos da botada, dos bumba-meu-boi. Adolescente, foi morar em Bom Jardim, então uma adorável cidade pequena que forneceria, tempos depois, o cenário para os acontecimentos, fatos, personagens, do seu primeiro livro, Pátio da Matriz. Em seguida, foi o internato, como acontecia com frequência para as moças: no Colégio de Santa Tereza, em Nazaré da Mata, fez o curso Pedagógico e foi aluna de padre Daniel Lima, uma amizade que durou toda a vida. Quando a família veio para o Recife, Marly deu os primeiros passos na vocação de seus sonhos: tornou-se professora no colégio de Aderbal Jurema, na Madalena. Até que um dia encontrou, num dos trajetos de bonde, um poeta que também vivera em Nazaré da Mata, glória da província, que publicara versos e começara a ser conhecido na cidade. Era viúvo, mas a paixão nascente venceu qualquer possível hesitação, o abandono da carreira de professora e o encargo de começar uma vida de casada já com os dois filhos de Mauro Mota. E Marly mergulhou, com leveza e dedicação, no desempenho de mãe, dona de casa, anfitriã de amigos e convidados de qualidade, a casa sempre cheia e aberta a jornalistas, poetas, romancistas, políticos, que a profissão de Mauro demandava, enquanto intelectual cujo renome atravessara a província, professor, diretor do Diario de Pernambuco, da Fundação Joaquim Nabuco. E depois da Academia Pernambucana de Letras e Membro da Academia Brasileira de Letras. Discreta, ao lado de Mauro, Marly recebia com a delicadeza e finesse a toda essa gente, participando da vida intelectual, mas reservada, em silêncio, escrevia suas crônicas, sem que ninguém suspeitasse de que atrás da senhora elegante que tão bem sabia receber, estava uma escritora. E foi somente em 1965, quando, instada certamente por amigos, decidiu entregar à Imprensa Oficial, um conjunto de crônicas que escrevera ao longo dos anos. Lula Cardoso Aires fez as ilustrações, e logo a critica local e nacional descobriu a revelação de uma escritora: Virginus de Gama e Melo, um dos maiores críticos brasileiros de então, louvou a sensibilidade com que a memória fora convocada para transfigurar as recordações. Luiz Delgado assinalou  a psicologia e o sentimento na construção dos personagens. Críticos e colunistas de jornais locais, elogiaram o modo como a vida diária em cidade do interior se torna a nossa, nós todos convivendo com os acontecimentos narrados, os namoros das moças em busca de marido, os personagens quase folclóricos como a louca Maria Borges, o dono da venda, e as feiras, e as cheias, e as missas. Um mundo em movimento, no qual o leitor se debruça com delícias. No dia de hoje a Academia Pernambucana de Letras se reúne para homenagear Marly, que autografa a reedição de Pátrio da Matriz, pela Companhia Editora de Pernambuco. Será a partir das 17 horas, com muito carinho de todos nós, acadêmicos, parentes e amigos da querida autora.

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