Em defesa da Justiça do Trabalho

Maurício Rands
Advogado formado pela FDR da UFPE, PhD pela Universidade Oxford
twitter: @RandsMauricio

Publicado em: 11/02/2019 09:00 Atualizado em:

Alguém tem dúvida de que um dos principais entraves ao desenvolvimento do Brasil é a sua elevada desigualdade? Qualquer estudo mais profundo indica-o com abundância de evidências. Aqui e no resto do mundo, a desigualdade gera assimetria de poder. A ponto de já se discutir o que fazer quanto ao imenso poder dos bilionários que ameaçam a própria democracia e a igualdade política dos cidadãos [cf  Farhad Manjoo, NYT (https://www.nytimes.com/2019/02/06/opinion/abolish-billionaires-tax.html) e Schwartsman, FSP de 10/2/18]. Como alertam Piketty e tantos outros. A desigualdade divide a sociedade. Pior, impede o acesso de milhões aos bens da vida, especialmente à educação e à saúde. Sem as quais não se constrói um país desenvolvido e justo. Por isso, uma das maiores urgências do Brasil é a das políticas sociais.

Na atual conjuntura, as propostas reformistas que estão circulando parecem esquecer esse dado resiliente da nossa história. Parece que vivemos na Escandinávia. Partem de dois fatos óbvios, que impulsionam um certo oportunismo interessado. Primeiro, a excessiva burocracia das nossas instituições. Que para muitos dos seus integrantes parece ser um fim em si. Com os elevados custos que tornaram insustentável o crescente déficit fiscal do estado brasileiro. Depois, a incapacidade dos governos do PT em promover as reformas inadiáveis na estrutura do estado. Poderiam ter feito ajustes menos improvisados, com mais sensibilidade aos direitos e necessidades dos mais pobres. Por não ter reformado o funcionamento do estado, esse acomodamento dos governos Lula e Dilma possibilitou que as propostas ultraliberais de hoje ganhassem ‘ares de única solução’. Numa espécie de consequência inintencional de sua omissão.

Ocorre que não existem soluções únicas. Para cada problema, podemos ter a criatividade de encontrar várias respostas. Para o problema do mercado de trabalho e da produtividade, não se trata de revogar os direitos básicos de cidadania de quem trabalha. A cidadania não pode parar na porta da empresa. Reformar o sistema de relações trabalhistas é um processo que requer o diálogo entre três atores principais: governo, empresários e trabalhadores. Unilateralmente impostas, reformas tendem a agravar a desigualdade. E, de roldão, a produtividade e a coesão social. As instituições do mundo do trabalho cumprem papel transcendental nessa tarefa de propiciar os canais para um diálogo reformista. Especializaram-se na administração dos conflitos inerentes aos interesses diversos. Têm muito o que ensinar aos arquitetos de soluções mirabolantes que desconhecem a vida real do nosso povo. Aqueles que veem o mundo apenas com a viseira do andar de cima. A Justiça do Trabalho tem sido um desses foros para que todos sejam ouvidos. Soluciona o conflito individual entre a empresa e o empregado. Mas também o conflito coletivo entre as empresas e os trabalhadores coletivamente organizados em suas entidades. Seus magistrados e servidores, em maioria, a ela dedicam suas vidas por vocação. Por sensibilidade à causa da justiça social. Por saberem que os desfavorecidos precisam do estado para reequilibrar relações estruturalmente desiguais.

Nesse Brasil tão injusto o de que menos precisamos é de eliminar uma das instituições mais estratégicas para a diminuição da desigualdade. Por isso, não podemos silenciar diante das propostas do atual governo que pretende acabar com a Justiça do Trabalho. Tenho lido e ouvido os argumentos. Desde a surrada tese de que a JT foi criada na era Vargas. Passando pela inverdade de que seria uma jabuticaba nacional. E chegando ao absurdo de culpá-la por todas as nossas chagas. Claro, que todas as instituições do estado brasileiro precisam de reformas. A economia precisa ser desburocratizada, o paquiderme estatal simplificado. Ajustes para torná-las mais funcionais a um projeto de desenvolvimento com crescimento sustentável e acelerado. Mas com políticas sociais que reduzam as desigualdades. A JT é e vai continuar sendo um dos mais poderosos instrumentos para ajudar nesse projeto.

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