Narração e linguagem na ficção brasileira

Raimundo Carrero
Escritor e jornalista
raimundocarrero@gmail.com

Publicado em: 11/02/2019 09:00 Atualizado em:

Tempos novos, tempos difíceis, tenho certeza, tempos piores. Mas há grandes esperanças na literatura, sobretudo em relação à narração, que precisa refletir os conflitos contemporâneos para não correr o risco de se afastar da realidade e afundar no mundo em que a voz das minorias continue cassada e ameaçada. Os estudiosos indicam erros grandiosos que cometemos na realização literária com ênfase apenas na gramática portuguesa tradicional e conservadora, que não usamos comumente não só no coloquial, mas na linguagem escrita, em documentos, redações, textos jornalísticos, palestras, e tudo mais. Enfim, falamos uma língua e estudamos outra. O jornalismo, por exemplo, é uma ponte entre o coloquial e o tradicional. Os nossos artigos também. Críticos de Lima Barreto costumavam dizer que ele era desleixado ou que não conhecia a gramática. Para defendê-lo, Agripino Griecco perguntava: E quem sabe?

Machado de Assis foi acusado, muitas vezes, de incorreções. É muito conhecido, por exemplo, o diálogo que o Bruxo teve, talvez supostamente, com o escritor Medeiros e Albuquerque na famosa rua do Ouvidor, Rio de Janeiro. Medeiros teria lhe confessado que tivera dificuldades para contratar um professor de português que não soubesse gramática, para o colégio que dirigia. Machado fez uma reclamação imediata: E por que não me contratou? Afinal, escrever segundo a norma culta nunca foi fácil para ninguém. Senão impossível realizar as tramoias da gramática.

Enquanto escrevo este artigo consulto o livro Preconceito Linguístico, de Marcos Bagno, e encontro um exemplo sutil. Escreve: “Quando vou dar uma palestra em congressos e seminários ou conversar com professores de português, escrevo o seguinte enunciado na lousa e pergunto o que é que há de errado com ele: “João está doente, por isso me pediu para vir aqui no lugar dele”. Deixo que as pessoas reflitam e deem suas opiniões. Cada um arrisca uma resposta mas nenhum detecta o “erro” denunciado pelo jornalista Eduardo Martins no seu livro Com todas as letras. A construção pedir para “só pode ser empregada quando o sentido é o de pedir permissão, licença ou autorização. O certo conforme Martins, é usar pedir que + subjuntivo: João está doente, por isso me pediu que viesse aqui no lugar dele.” Ainda citando Martins, Bagno revela: “A locução pedir para é um dos melhores exemplos do abismo existente entre a linguagem coloquial e a norma culta do idioma.”

Tudo isso tem me preocupado muito e, por isso mesmo, estou realizando na Oficina de Criação Literária um curso sobre a linguagem na narrativa contemporânea para observar com atenção a fala das minorias, dos bares, das ruas, dos estádios, para que ela nos enriqueça através dos narradores e dos personagens, sobretudo com as gírias que são, a princípio, condenadas pelas gramáticas, pelos compêndios, pelos ensaios. Enfim, qual a linguagem da narrativa contemporânea? Quando escrevemos, usamos os nossos vícios e não a norma culta. Se usamos os nossos vícios por que não respeitar os vícios, as gírias do outros? Costumamos muito usar a nossa gíria gramatical.. É assim. Tenho horror ao este – presente e futuro – e esse – passado – A que chamo de firula gramatical, mera inutilidade. Às vezes imagino quantos erros coloquei neste artigo. A literatura, o jornalismo e o articulista simulam a norma culta. E agora?

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