Os donos da Vale

Paulo Rubem Santiago
Professor da UFPE - mestrando em Educação

Publicado em: 02/02/2019 03:00 Atualizado em:

O processo de privatização da antiga estatal Vale do Rio Doce, em maio de 1997, no governo de Fernando Henrique Cardoso, foi muito bem narrado por Aloysio Biondi no seu clássico “Brasil Privatizado”, novamente nas livrarias. Hoje a empresa tem entre seus acionistas fundos de pensão de empresas estatais como Previ [Banco do Brasil], Funcef [Caixa Econômica Federal], Petros[Petrobras] e Funcesp[Cesp], que juntos controlam 20.98% de suas ações, bancos como o próprio BNDES[BNDESPar], segundo maior acionista da Vale, Bradesco[Bradespar] e o fundo Black Rock, gestor mundial de investimentos. Isso quer dizer que companheiros trabalhadores da Caixa Econômica, do Banco do Brasil, da Petrobras e das Centrais Elétricas de São Paulo, alçados à condição de sócios dos sócios da Vale, também são beneficiados pelos altos lucros que a empresa tem obtido por todos esses anos. Não me recordo ter ouvido nenhuma manifestação desses fundos dentro da Vale no crime ambiental ocorrido em Mariana, muito menos agora. A Previ é maior acionista da Vale, controlando 17,98% das ações da empresa. No Brasil, desde 1997, o Estado vira sócio da indústria de commodities minerais através das entidades de previdência fechada e de seu banco de investimentos. Agora, no crime ocorrido em Brumadinho, MG, também não ouvi quaisquer manifestações da grande mídia econômica, aquela que foi muito bem estudada por Paula Puliti em sua Tese no Doutorado em Comunicação na USP anos atrás [ “O Juro da notícia”, Editora Insular, 2013], onde a jornalista demonstrou por a + b como o capital financeiro hegemonizou o noticiário econômico no país a partir do final dos anos de 1980. Fosse a Vale ainda estatal e estariam todos defendendo sua privatização, em nome da eficiência do mercado. Que os crimes de Mariana e Brumadinho costurem suas bocas por muitos e muitos anos. Essa é a versão especial do capitalismo brasileiro, alicerçado em tenebrosas transações recheadas de benefícios fiscais e tributários como bem narrou Biondi. Ao ser privatizada por uma ninharia, a Vale passou a buscar o lucro máximo a fim de remunerar muito bem seus diretores e acionistas. Qual a fronteira entre o lucro máximo, os ganhos fabulosos de seus acionistas e a responsabilidade ambiental de modo geral e com as vidas humanas e de animais, em particular? Qual a fronteira entre a tão atacada “burocracia” dos órgãos de licenciamento e a selvageria dos interesses da empresa, de seus sócios, e dos sócios desses mesmos sócios? Selvageria que se expressa não numa indústria de multas, como afirmou Bolsonaro, mas nas propostas de parlamentares irresponsáveis visando a facilitação dos processos de licenciamento, com redução de etapas, prazos, graus de risco dos equipamentos, como o que ocorreu ano passado com a mudança dessa condição na barragem que se rompeu na Mina do Feijão. Os trabalhadores sócios da Previ, da Funcef, da Petros, da Funcesp, além dos demais sócios, bancos e fundos, devem uma explicação decente e providências profundas aos seus companheiros de fora da Vale. Ou nos farão lembrar o Ornitorrinco, descrito por Francisco de Oliveira em seu livro homônimo. Trabalhadores antes, capitalistas financeiros hoje. Mariana e Brumadinho representam a verdadeira face do neoliberalismo e sua cantilena pelo Estado mínimo, um estado que não fiscaliza, que afrouxa regras essenciais de prevenção de acidentes, que é atacado quando endurece o jogo, mas aplaudido quando concede generosos incentivos fiscais aos empresários, em nome da “atração de investimentos”. Pois bem, lama, mortes e prejuízos bilionários rio abaixo, é o que nos restou em Mariana antes e em Brumadinho agora. Até quando?

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