O que fazer das nossas vidas?

Tiago Carneiro Lima
Sócio de Lima e Falcão Advogados

Publicado em: 02/02/2019 03:00 Atualizado em: 04/02/2019 08:42

A vida é curta, muito curta, embora, raramente, tenhamos essa percepção. Mas o fato é que ela passa. E passa muito rapidamente.

Lembrei disso porque estou relendo O Conde de Monte Cristo, de Alexandre Dumas. Penso que é a maior história de vingança que um escritor conseguiu colocar em um livro.

Ando “brigando” com os estúdios cinematográficos. Transformam os grandes clássicos da literatura em histórias distorcidas, infantilizadas. E logo uma literatura recheada de imaginação, tragédia, aventura, altruísmo, heroísmo, perigos, intrigas, amor, invejas, ciúmes, tristezas. Mostram-nos oásis ilusórios, e não os caminhos que nos levam aos desertos da nossa existência.

Quem não se lembra do Cardeal Richelieu, de Os Miseráveis? Do padre Claudio, que abrigou o corcunda de Notre Dame, e que também era apaixonado pela cigana Esmeralda? Do Mestre José Amaro, corroído de rancor?

Depois do Hamadan, tempos duros de jejum, orações e reflexões pessoais, os muçulmanos do Senegal fazem a festa do Tabajone, na qual celebram a alegria. O anjo Abdou Jabar desce dos céus e pergunta se se jejuou, se se orou, se se fez o bem. A todos, lembra que nada se leva daqui desta terra, exceto a bondade que fazemos. As crianças invertem as roupas que vestem, e vão, de casa em casa, recebendo e distribuindo guloseimas, celebrando a alegria de se viver. De se viver distribuindo bondades e alegrias.

O personagem do livro de Alexandre Dumas, Edmund Dantès, fora injustamente preso. Na prisão do Castelo de If, conhece o Abade Faria, que lhe o instrui, que o intelectualiza. E conta-lhe de um fabuloso tesouro, escondido na ilha de Monte Cristo. Com olhos arregalados e brilhantes, que Edmund enxerga como de um louco, o Abade fala-lhe do que pode ser feito com esse tesouro. De a quantos alguém poderia beneficiar, e ajudar, com tanta riqueza.

Mas Dantés é um homem amargurado, com sede de vingança. De vingança contra quem lhe tomara o navio, do qual acabara de virar capitão. De quem lhe tomara a então noiva, a bela Mercedes. Enfim, de quem lhe tomara a juventude e o futuro que se lhe apresentava.

Depois de uma fuga engenhosa – monumental trecho do romance, Dantés encontra o tesouro. E faz, de tal fortuna, um instrumento de vingança.

Se você assistiu às últimas películas sobre essa história, esqueça-as. Produto de um tipo de cinema que distorce as tragédias da literatura mundial.

E Edmund traça planos. Destrói, personne à personne, a todos os que lhe prejudicaram a vida. E esquece a principal parte das lições do Abade Faria, deixando um cruel rastro de vingança.

Após as ramadans de nossas vidas, quando chegar o tempo da tabajone, o que daremos à meninada para distribuir? Nossas frustrações? As amargas pegadas de nossas vinganças? A nossa indiferença?

O que diremos ao anjo Abdou Jabar, quando ele nos disser: “Onde estiver o teu tesouro, ali também estará o teu coração”?

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