Brumadinho, o mundo chora por ti

Maurício Rands
Advogado formado pela FDR da UFPE, PhD pela Universidade Oxford

Publicado em: 28/01/2019 03:00 Atualizado em: 28/01/2019 08:43

A mãe tem esperança de que o filho não tenha ido ao refeitório da Vale, que ficou soterrado. O pai, que a filha não estivesse na pousada onde se hospedava. O marido especula o sofrimento da esposa no instante em que a lama invadiu o refeitório. No hospital João 23, familiares se aglomeram na esperança de encontrar os seus. Que estejam feridos, não soterrados. No Córrego do Fundão, a caixa d’água e a antena parabólica são as únicas sobras da vila. Pessoas, destinos e sonhos subitamente cancelados. O cachorro resgatado lembra que não são apenas os humanos a morrer, sofrer ou perder o ente querido. O total de corpos achados já chega a 37, quando escrevo estas linhas. O dobro dos 19 de Mariana. Número que pode chegar ao total dos desaparecidos, que chegou a ser contado em 296. Muitos corpos jamais serão encontrados. Debaixo de 12 milhões de metros cúbicos de rejeitos ficaram submersos o restaurante e o centro administrativo da Vale, as Barragens 4 e 4A, matas fechadas, casas, sítios, estradas, pousadas, pontes e o ramal da ferrovia da região. Os impactos químicos de metais vão contaminar rios e matas. Atingiram o rio Paraopeba que abastece 1/3 da Região Metropolitana de BH. A onda de rejeitos pode contaminar até o São Francisco. Podem ser poluídos 300 km de rios.

Os heróis bombeiros e socorristas mostram o lado bom da solidariedade de pessoas que se arriscam para salvar outras. Resgatando corpos e os entregando aos familiares. Em contraste com a irresponsabilidade e ganância de empresas como a Samarco, que há 3 anos causara o crime ambiental de Mariana, e a Vale, cuja barragem de rejeitos soterrou Brumadinho. Onde estavam os fiscais que deveriam ter exigido providências às duas mineradoras? Logo depois de Mariana, ouvi um especialista explicar que outras barragens de dejetos minerários corriam o mesmo risco. Todos queremos saber quais as providências que (não) foram tomadas pelos gestores da Vale. Provavelmente prevaleceu o interesse do lucro irresponsável. Investir em soluções para o acúmulo nas barragens é algo muito caro. Diminui os lucros. E os dividendos dos acionistas. E os bônus de performance dos executivos. Essa cadeia de ganância, agora, cobra vidas. E a imagem das empresas, assim como sua cotação na bolsa. O crime não terá compensado. Ou terá?

Por detrás da lama tóxica está a lama dos interesses econômicos e políticos. Ambientalistas lembram que o governo estadual de MG defendeu os interesses da mineradora quando as licenças foram aprovadas por 8 a 1, com abstenção do Ibama. Que, na ocasião, alertou para os riscos dessas barragens que não estavam sendo desativadas. A Vale diz que estava em dia com as inspeções que devem ser feitas a cada 6 meses. A última feita há 3 dias do desastre. A última Declaração de Condição de Estabilidade foi emitida pela empresa alemã TUV SUD. Então, ambas são culpadas pela falha dessas inspeções. E, portanto, têm o dever de indenizar as vítimas diretas e a sociedade pelo crime ambiental. Não basta o pedido de desculpas do seu presidente. Segundo relatório da Agência Nacional de Águas, só 3% das 24 mil barragens do país foram vistoriadas. São irregulares 42% das nossas barragens porque sequer tiveram autorização, outorga ou licença. Daí se vê o perigo que ainda paira sobre nós.  A Política Nacional de Segurança de Barragens exige um plano de emergência. Ocorre que 75% delas não o têm.

O mundo inteiro chora por Brumadinho.  Mais uma vez, o Brasil está mal na fita nos jornais e tvs mundo afora. Pergunta-se por que o Brasil não aprendeu a lição de Mariana. Indignação geral contra um crime ambiental que ceifou tantas vidas humanas e destruiu a vegetação e a fauna da região. Que ao menos a tragédia reverta algumas intenções do atual governo federal que parece ver no cuidado ambiental um empecilho ao investimento. Que a segurança das pessoas e do ecossistema seja prioridade na autorização de qualquer investimento. Que sejam revistos o Plano Nacional de Segurança de Barragens e a legislação para aumentar o rigor das exigências. Que melhore a burocracia dos licenciamentos, justamente para que eles sejam mais eficientes e imunes à lama da corrupção. Sabe-se que muitas vezes essa inimiga da eficiência se alimenta das dificuldades dos procedimentos burocráticos bizantinos.

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