Brasil: espírito animal

Alexandre Rands Barros
Economista, PhD pela Universidade de Illinois e presidente do Diario de Pernambuco

Publicado em: 26/01/2019 03:00 Atualizado em: 28/01/2019 08:45

Os mercados continuam confiantes no futuro próximo da economia brasileira, apesar de tantos solavancos ao longo dessa semana. Como resultado, o Ibovespa subiu e o dólar se manteve. Entre as más notícias, destacam-se o desempenho do presidente em Davos, que foi muito criticado no Brasil, e as revelações de espertezas do senador eleito, Flávio Bolsonaro, que foram ainda mais descortinadas ao longo da semana. A crise fiscal nos estados também se tornou ainda mais clara. Somaram-se a esses episódios o fato de que se consolidou a ideia que a economia mundial deverá enfrentar uma recessão no próximo ano e houve os primeiros sinais de retaliação árabe à postura brasileira em relação a Israel, com o descredenciamento de frigoríficos brasileiros exportadores de frango para a Arábia Saudita. Esses desenvolvimentos, contudo, não foram suficientes para minar o otimismo dos mercados, que terminou por elevar as cotações das ações de empresas brasileiras.

Algumas novidades positivas certamente foram fundamentais para a manutenção do otimismo. O ministro da Fazenda anunciou seu compromisso com a queda do imposto de renda sobre o lucro das empresas para 15% (hoje 27.5%) e reafirmou em Davos a prioridade da reforma da Previdência para o atual governo. Além disso, generais que participam do governo declararam que talvez os militares devessem dar o exemplo na reforma da previdência. Ou seja, sinalizaram para a razoabilidade da inclusão deles na reforma proposta. A Receita Federal, por sua vez, apresentou dados de arrecadação que foram acima das expectativas do mercado para 2018, o que deve facilitar o controle do déficit fiscal em 2019, apesar do crescimento da postergação de pagamento de dívidas dos estados com a União. No final, as notícias positivas conseguiram neutralizar o impacto das negativas e a economia beneficiou-se da elevação do otimismo.

Entretanto, é preocupante o fato de que as notícias negativas são advindas de fatos concretos, como retaliação dos árabes e evidências claras de envolvimentos de Flávio Bolsonaro com práticas não republicanas, além da evidência do despreparo do presidente para governar. As boas notícias, por sua vez, com exceção do aumento da arrecadação federal, são todas originadas em promessas, sem sua consolidação em resultados efetivos até então. Isso significa que pelo menos as incertezas dos agentes econômicos deveriam estar aumentando, o que por si só já poderia estar reduzindo o desempenho de indicadores econômicos, como o Ibovespa. Talvez o desejo de uma retomada rápida da economia faça com que isso não ocorra. Como bem enfatizaram em livro recente, os prêmios Nobel em Economia, George Akerlof e Robert Shiller (Animal Spirits), detalhando ideia já apresentada por Keynes em 1936, o espírito animal às vezes prevalece sobre o comportamento racional dos empreendedores. Talvez aos mais racionais só reste, então, acender uma vela para os orixás moverem seus encantos para assegurar que as boas expectativas venham realmente a se confirmar, pois o povo brasileiro já está muito sofrido nos últimos anos. Esse otimismo, contudo, pode ser positivo para o desempenho da economia neste ano, por mais que ele não seja totalmente justificado.

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