Bolsonaro: reforma ou revolução

Alexandre Rands Barros
Economista, PhD pela Universidade de Illinois e presidente do Diario de Pernambuco

Publicado em: 19/01/2019 03:00 Atualizado em: 21/01/2019 08:52

Apesar do otimismo nos mercados, ainda há muita incerteza se o Governo Bolsonaro trará as transformações esperadas. O discurso de campanha foi simples. Ênfase contra a corrupção (às vezes travestida de antipetismo); por mais segurança; e menos interferência estatal na economia. O discurso anticorrupção e o clamor por menor asfixia do estado, unia-se comumente à condenação do excesso de benefícios para segmentos sociais específicos, como os sem-terra, os sindicatos e as ONGs, entre outros. Esse discurso embutia, na verdade, uma revolução social, que não aparece de forma tão clara na sua superfície. A questão essencial, então, é se o governo terá força para promover tal revolução.

De uma forma mais consistente pode se dizer que o discurso do presidente eleito foi basicamente o contrário ao excesso de poder e de benefícios dirigidos aos segmentos sociais que dominam o Estado, que são a alta burocracia dos governos e empresários que se aproximam dessa burocracia para colher benesses. O ministro Paulo Guedes sabiamente percebeu essa essência do apelo popular e apontou o dedo para esses segmentos sociais, denominando-os de burocratas e piratas privados, que asfixiam as contas públicas e inibem o crescimento econômico. As lideranças de ONGs e demais associações, como sindicatos e centrais de trabalhadores e associações empresariais, além de gestores de fundos de pensão de estatais, estariam entre os burocratas. Tirar o poder das mãos desses segmentos sociais (burocratas e piratas) e reduzir a apropriação de renda que tinham nos últimos anos requer uma revolução, que é mudar a hegemonia política das mãos deles para outros segmentos sociais. Esta, então seria a proposta na qual o povo votou e Bolsonaro encarnou. O eixo do poder, nesse contexto, deveria se mover para empresários (rurais e urbanos) e demais agentes privados honestos. Não seriam contemplados nele os trabalhadores e os pequenos produtores rurais e urbanos honestos, que também estavam fora do controle das instituições nos governos anteriores. Trabalhadores corruptos e oportunistas eram os beneficiados de fato nos governos petistas. Supostamente o bom funcionamento dos mercados também beneficiará esses excluídos com menor participação na nova estrutura de poder, assim como de certa forma ocorreu com os trabalhadores e camponeses honestos nos governos petistas.

O risco é esse discurso se perder e as mudanças atingirem apenas sua superfície, sem produzir a revolução proposta. Liberação de posse e porte de armas, privatização de estatais, redução do papel do BNDES e maior controle da corrupção vão certamente reformar o funcionamento do Estado. A hegemonia política, contudo, não necessariamente mudará. As articulações para a presidência da Câmara dos Deputados e do Senado de certa forma indicam uma continuidade preocupante. São nomes associados aos piratas e aos burocratas. Renan sempre se utilizou de benesses aos burocratas para obter o poder necessário para se aliar umbilicalmente aos piratas. Rodrigo Maia, por sua vez, parte com a mesma base de sustentação, burocratas e piratas. Há pressão forte para deixar de fora da reforma da Previdência vários segmentos burocratas. Nesse contexto, apelos ao aprofundamento da Lava-Jato poderão descambar para revanchismo estéril contra o PT, deixando de fora a base de sustentação do governo, que tem forte participação de congressistas visceralmente ligados aos interesses corruptos e corporativos tão encrustados em partidos como PP, PR e MDB, que aliás possuem percentuais de congressistas denunciados por corrupção muito superiores ao PT. Ou seja, são tradicionalmente mais corruptos. A força da burocracia estatal pode ainda continuar a estrangular os empresários, assim como uma reforma da Previdência amena para eles pode continuar a sufocar o orçamento público de forma que o país continue a crescer pouco e a revolução se torne apenas uma reforma superficial. O povo brasileiro clama por uma revolução, mas não há nenhuma evidência ainda de que isso será entregue pelo Governo Bolsonaro.

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