Editorial Segurança em xeque

Publicado em: 17/01/2019 03:00 Atualizado em: 17/01/2019 09:00

Por decreto, o presidente Jair Bolsonaro atendeu a uma das principais reivindicações do seu eleitorado: autorizou a posse de arma de fogo, em casa, no trabalho e em propriedades rurais. Foi a primeira medida que ele anunciou, em cerimônia, na terça-feira, no Palácio do Planalto. Nas cidades violentas, com taxa superior a 10 homicídios em 100 mil habitantes, o cidadão está contemplado com a norma voltada ao que ele definiu como “legítimo direito de defesa”. Para isso, o interessado não poderá ter antecedentes criminais, deverá passar por uma escola de tiro e terá de guardar o artefato em local seguro, entre outras exigências. O ato do presidente não libera o porte, hoje, regido pelo Estatuto do Desarmamento (Lei 10.826/2003).

Apesar de a decisão suscitar muita controvérsia, o presidente garante que o decreto atende a um direito do cidadão, que é o de ter uma arma em casa para se defender em situações de violência. A preocupação maior de Bolsonaro foi cumprir a promessa de campanha. Há 15 dias no comando do país, não houve tempo suficiente para a nova equipe avaliar os prós e os contras da medida.

Qual será o impacto dessa decisão? Estudo do economista Daniel Ricardo de Castro Cerqueira, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), mostra que, para cada 1% a mais de armas nas mão da população, há um aumento de 2% no número de mortes. Em 2017, 63.880 brasileiros foram vítimas de homicídio por arma de fogo — 175 mortos por dia —, o que representou aumento de 2,9% em relação ao ano anterior. Mesmo com todas as restrições impostas pelo Estatuto do Desarmamento, o número de óbitos pela violência supera o de países conflagrados, como a Síria.

Não há unidade da Federação em que a população não se sinta acuada ante o avanço da criminalidade, o que torna natural o desejo de ter uma arma em casa para se defender. Mas os estudos mostram que a posse do artefato não significa escudo nem blindagem diante da ação deletéria dos marginais. Nos Estados Unidos, país inspirador para o presidente, a venda de armas é franqueada a todos os cidadãos, com regras bem mais frouxas do que as brasileiras. O resultado é dramático, com jovens protagonizando massacres em escolas, universidades e igrejas pelo acesso fácil às armas, além de serem as principais vítimas de suicídio.

O direito à posse de arma não estaria na pauta de reivindicações da sociedade, se o país contasse com um a política de segurança pública eficiente. Os episódios que ocorrem em Fortaleza mostram o quanto o poder público está refém das facções criminosas. No Rio de Janeiro, a intervenção militar em pouco ou quase nada conteve a violência patrocinada pelos traficantes. Ora, se policiais capacitados e treinados não impedem o avanço da violência, o indivíduo, surpreendido por um marginal, será capaz de se defender ou sua arma se somará ao arsenal dos criminosos? Hoje, o grande desafio do governo é romper com o círculo danoso da violência que põe em xeque as políticas públicas, envergonha as autoridades e torna vulnerável o cidadão de bem, esteja ele com ou sem arma.

Os comentários abaixo não representam a opinião do jornal Diario de Pernambuco; a responsabilidade é do autor da mensagem.