Colette e nós

Luzilá G. Ferreira
Doutora em Letras pela Universidade de Paris VII e membro da Academia Pernambucana de Letras

Publicado em: 15/01/2019 03:00 Atualizado em:

Na semana passada um de nossos cinemas ofereceu ao público um filme, quase biografia, sobre Sidonie Gabrielle Colette. Escritora  francesa falecida em 1954, Colette, como ficou conhecida, nasceu num pequeno povoado, longe de tudo, atravessou duas guerras, estudou apenas o curso elementar, foi dançarina, atriz, jornalista, escreveu 15 romances e várias peças de teatro, algumas transformadas em filme sendo que uma delas, Gigi protagonizado por Audrey Hepburn. Aos vinte anos se casa com um jornalista e crítico de arte, Henri Gauthier-Villars. Que, descobrindo o talento da esposa obriga-a a escrever, tranca-a no quarto, e publica os romances de Colette como se fosse ele o autor. Só depois de algum tempo ele aceita publicar as obras de Colette como se fosse obra do casal. Como deveria acontecer, anos depois,  o divórcio faz com que arte da escritora seja plenamente conhecido, e Colette, livre e talentosa se torna parte integrante no mundo artístico e literário de Paris. Durante a ocupação nazista, Colette escreve: Paris de ma fenêtre crônicas sobre a vida cotidiana da capital, publicado posteriormente sob forma de livro. O apartamento onde vive, com frente para a praça do Palais Royal, ao lado do prédio do teatro da Comédie Française, dá as costas á rua Vivienne, onde fica a Bibliothèque Nationale. Um lugar privilegiado, de encontro com as donas de casa trocando receitas e dicas para sobreviver com pouca comida, mães acompanhando os filhos brincando entre as aleias, tão alheios às vicissitudes da guerra quanto os pássaros fazendo  ninhos, e que Colette conhece pelos nomes. Essas crônicas, inteligentes de divertidas, se tornam leitura obrigatória das leitoras, que pedem receitas. E Colette aconselha pratos criativos, nos quais folhas cozidas disfarçam a pobreza dos cardápios, e molhos de massas disfarçam a ausência de carne. Uma beleza de criatividade compartilhada, inteligência e confraternização. A maior parte dos livros de Colette são quase autobiográficos, com personagens marcantes. Entre eles, a figura de Sidonie, a mãe. Que ela chama de Sidô. Uma mulher extraordinária, que transforma o pequeno mundo em que vive, no povoado de Saint-Sauveur. Tem um diminuto jardim, cercado de altos muros, onde planta flores as mais diversas, que ela ama e cultiva como se cultiva amor. Colette conta a reação de Sidò quando alguém no povoado vem lhe pedir rosas pra enfeitar o caixão de um parente falecido: -O quê, diz Sidô indignada.Minhas rosas sobre um morto? Por que minhas flores teriam que morrer com....?” E Colette acrescenta: “Mas ela ela entregava facilmente uma flor a um bebé, pra que ele a despedaçasse”. Uma das mais belas páginas dedicadas e Sidô se encontra em Le Toutonnier. È uma carta  de Sidô ao segundo marido de Colette, que convida a sogra a passar uns dias com  o casal. Sidô agradece, gosta muito do genre e adora a filha. Mas não vai poder aceitar o convite e se explica: tem um cacto cor de rosa, planta rara, que lhe deram e que só floresce de sete em sete anos. Um botão se anuncia e ela aguarda que a flor apareça. Explica: sou uma velha mulher e certamente não vou poder ver outra desabrochar essa flor. Agradece. Colette louva essa mãe, interessada por uma beleza efêmera. E se diz: quando eu estiver triste porque estarei envelhecendo, por uma ruga ou por um músculo que perde sua força, que eu seja como essa mulher que era capaz de uma tal escolha. 

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