Feminicídio

Maurício Rands
Advogado formado pela FDR da UFPE, PhD pela Universidade Oxford

Publicado em: 14/01/2019 03:00 Atualizado em: 14/01/2019 08:38

Os primeiros dias do ano já revelam uma triste escalada. A dos crimes de violência de gênero contra as mulheres. O feminicídio atinge as mulheres por sua condição de gênero. Geralmente, é perpetrado pelo marido, companheiro ou namorado. Está tipificado como mais uma hipótese de homicídio qualificado no art.121 do Código Penal, por força da lei 13.104, de 9/3/2015. Que definiu o feminicídio como o crime cometido contra a mulher em situação de violência doméstica e familiar, ou de menosprezo ou discriminação à condição de mulher. Ao tornar o feminicídio um homicídio qualificado, a lei aumentou as penas para reclusão de 12 a 30 anos (saindo da pena de 6 a 20 anos do homicídio comum). Ademais, o § 2º-A, acrescentado ao referido art. 121, aumentou a pena de 1/3 até a metade se o crime for praticado durante a gestação ou nos 3 meses posteriores ao parto, ou contra pessoa menor de 14 anos, maior de 60 anos ou com deficiência, ou, ainda, na presença de descendente ou de ascendente da vítima. Antes esse crime caía na vala comum do homicídio. Às vezes o autor defendia-se alegando a legítima defesa da honra, veja só! Pensar que há poucos anos muitos assassinos foram absolvidos sob esse argumento. Nos primeiros dias deste ano, já são 33 os casos de feminicídio e mais 17 tentativas. A Central de Atendimento à Mulher (Ligue 180) registrou 92.323 denúncias em 2018. Provavelmente, os números reais são maiores porque a área é de subnotificação pelas vítimas. Seja pela falta de alternativas, seja pela descrença na eficiência repressiva do estado. As bem-vindas delegacias especializadas em crimes contra a mulher, que aliás poderiam se estender também aos crimes contra a comunidade LGTBI, muitas vezes estão fechadas justamente no período em que esses crimes mais ocorrem: nos fins de semana e à noite.

Quem acompanhou o noticiário da semana passada viu como o Jornal Nacional da Rede Globo diariamente mostrou casos estarrecedores de espancamentos ou assassinatos de mulheres por seus parceiros. E viu como esses crimes continuam nas páginas da imprensa escrita, inclusive neste Diario de Pernambuco. A nossa velha mídia, tão criticada pelos inimigos da liberdade de pensamento e expressão, em boa hora cumpre o seu papel de jogar luzes sobre as nossas enfermidades sociais.

A situação de discriminação e violência contra a mulher ainda é alarmante no mundo todo. Nos EUA, multiplicam-se os casos de mulheres que estão vindo a público denunciar casos de assédio e desrespeito. Do ex-todo poderoso de Hollywood Harvey Weinstein ao presidente Donald Trump. Há poucos dias, uma estudante da Universidade do Cairo, no Egito, foi expulsa porque um vídeo viralizou com a imagem em que o seu namorado abraçava-a numa área pública da universidade no instante em que a pedia em casamento em atitude ‘ocidental’. A alegação: a imagem comprometia os valores da universidade. Na África do Sul, o presidente Cyril Ramaphosa acaba de declarar a violência contra a mulher uma ‘crise nacional’ que o seu governo vai combater com prioridade. Aqui, multiplicam-se os detalhes dos crimes de João de Deus que, além de assediar e estuprar muitas mulheres, acolhia gestantes para, depois, matá-las e vender os recém-nascidos no estrangeiro.

Trata-se de problema que aqui, como na África do Sul, deve ser enfrentado como emergência nacional. O estado brasileiro precisa ter uma política específica de eficientização da repressão ao feminicídio e aos outros crimes de gênero. Mas também precisa ter políticas de mudança cultural, de conscientização, de ampliação da participação da mulher no mercado de trabalho e em todas as esferas. Isso passa por revisão dos papeis tradicionalmente atribuídos à mulher na família e na sociedade. A pouca participação da mulher no atual ministério não parece indicar caminhos auspiciosos nessa questão. Nem assim as declarações da ministra do azul e rosa, que defende projetos de ‘cura gay’ e é contrária à teoria científica da evolução. Não sofrem apenas as mulheres. Rebaixa-se o nível civilizatório da nação.

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