Lula, uma morte anunciada

Marcelo Santa Cruz
Advogado e militante dos direitos humanos

Publicado em: 10/01/2019 03:00 Atualizado em: 10/01/2019 05:53

Escrevo inspirado no exemplo do jurista Sobral Pinto e ainda contagiado com o sentimento natalino, quando as divergências são mitigadas entre as pessoas. Não quero ser cúmplice por omissão da morte anunciada do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no cárcere da Polícia Federal de Curitiba. É o mais importante preso político da atualidade, reconhecido com vários prêmios e inúmeras homenagens internacionais pelo reconhecimento de sua bela história de vida pessoal, política e pública. Tem sido visitado na prisão por muitas personalidades, até pelo representante de Sua Santidade, Papa Francisco. Está sendo com muita honra, indicado ao Prêmio Nobel da Paz, e sua injusta e ilegal prisão, é seriamente questionada no Comitê dos Direitos Humanos da ONU. Confesso que estou com o sentimento comum de muitos compatriotas, preocupados com o estado de saúde de Lula e perplexo diante de um cidadão de setenta e três anos, aparência envelhecida, como consequência das condições carcerárias que lhe são impostas.

Reconhecido como o melhor presidente de toda história da república do Brasil, primeiro operário a galgar o mais alto cargo de presidente da República, eleito para dois mandatos consecutivos e colaborou decisivamente para eleição de sua sucessora, Dilma Rousseff, e não foi eleito agora porque lhe prenderam sem provas. Encontra-se atualmente preso e condenado, decorrência de processos manifestamente eivados de posições políticas partidárias, ressaltando, quando confrontados com outros processos, quando os acusados são filiados aos partidos com os que estão no governo. Não há registro na história deste país, que tenha sido dispensado o tratamento a qualquer pessoa pública com o perfil de Lula, no que diz respeito à folha de serviços prestados à nação brasileira.

A memória faz lembrar o fatídico ano de 1964, instaurada a ditadura, o ex-presidente João Goulart, é deposto, não foi preso pelos militares, permitiram pela proposital falha do esquema de segurança, evadir-se clandestinamente do país. Em Pernambuco, o governador Miguel Arraes, é deposto e preso, após quase um ano, padecendo no cárcere, surgem problemas de saúde, segundo notícias à época, estava quase cego, decorrência do traumatismo emocional. Articula-se com rapidez um novo pedido de habeas-corpus, desta vez, a ordem é concedida sem maiores dificuldades, com a conivência dos militares, fragiliza a segurança, permitindo que o mesmo viajasse para o Rio de Janeiro e formalizasse seu pedido de exílio na embaixada da Argélia.

A memória no túnel do tempo consegue alcançar, período mais distante, 29 de outubro de 1945, fim do Estado Novo, o ditador Getúlio Vargas, é deposto por um golpe militar, conduzido respeitosamente, tendo em vista o cargo que ocupava, ao exílio em sua fazenda na sua cidade natal de São Borges, estado do Rio Grande do Sul. No epílogo dessa reflexão, permita-me evocar um fato verdadeiro, ocorrido em 1956, protagonista desta história, o presidente Juscelino Kubistchek, conhecido como presidente JK, e o prestigiado jurista e advogado Sobral Pinto. Encontra-se registrada na memória, narrada nos livros e exibida no filme: O homem que não tinha preço. O presidente JK, com o propósito de contornar dificuldades de ordem jurídica que se colocavam em questões pertinentes à sua posse, resolve constituir seu advogado, o renomado Sobral Pinto, que obteve ganho de causa. Mitigados os ânimos beligerantes do Movimento 11 de Novembro, conhecido contragolpe ou golpe preventivo do marechal Lott, destinado a assegurar a posse do presidente Juscelino Kubistchek e do vice João Goulart, eleitos em 1955. O presidente JK, investido no mais alto cargo da nação brasileira, de imediato convida seu advogado para almoçar no Palácio do Catete, no Rio de Janeiro. O jurista Sobral Pinto ao adentrar no recinto, é recebido com um grande e afetuoso abraço do presidente JK, que exclamou com aquele seu peculiar sorriso largo: “Sobral, permita-me indicá-lo ministro da Suprema Corte de Justiça”. Sobral Pinto, responde na bucha: “Presidente, sinto-me honrado, mas estou declinando do convite, por dois motivos, não votei em Vossa Excelência, meu candidato foi marechal Juarez Távora”. O presidente JK interrompe o seu interlocutor, com o seguinte argumento: “É por isto mesmo que estou indicando-o para ministro”. Sobral Pinto retoma a palavra e prossegue o diálogo: “Há outro impedimento, também de ordem ética. Fui seu advogado, estava postulando o bom direito e empenhado para que não fosse cometida irreparável injustiça”. Em seguida, pediu que o presidente refletisse, caso venha recepcionar o seu distinto convite, o que irão dizer! por certo que sou um grande oportunista, aceitei ser seu advogado para obter as benesses do poder. Muito obrigado presidente, sinto-me lisonjeado pelo convite. Em seguida, o almoço foi servido, assunto não mais foi abordado pelo presidente JK, tendo em vista que o convite foi indigesto, diante do rígido conceito ético e moral do incomparável Sobral Pinto. Qualquer semelhança com o ex-juiz Sérgio Moro, são outros tempos, outros homens e a história não se repete, a não ser como farsa. Viva a ética e a hombridade, Sobral Pinto presente, agora e sempre!

Os comentários abaixo não representam a opinião do jornal Diario de Pernambuco; a responsabilidade é do autor da mensagem.