Chiclete com Banana: no Brasil de 2019, um louvor a Jackson do Pandeiro

Neide Andrade
Jornalista e especialista em Direitos Humanos

Publicado em: 09/01/2019 03:00 Atualizado em: 09/01/2019 08:28

Diversas características do imperialismo americano têm se sobressaído no Brasil de 2019: bandeiras dos Estados Unidos foram carregadas por cidadãos durante a posse do presidente Jair Bolsonaro, o próprio eleito demonstra submissão ao país norte-americano no relacionamento com o presidente Donald Trump e na reverência à bandeira estadunidense durante a pré-campanha eleitoral. Somado a essas questões, o simbolismo da extinção do Ministério da Cultura ainda na primeira semana de governo é um sinal de desvalorização às expressões culturais brasileiras e mais um desrespeito à classe artística, acusada diversas vezes por Bolsonaro e seus apoiadores de “mamar nas tetas do governo com a Lei Rouanet”.

Essa situação nos lembra a música “Chiclete com Banana”, eternizada na voz de Jackson do Pandeiro no final da década de 1950 como um louvor à cultura brasileira em detrimento das investidas americanas. A canção defende que podemos até ter influência do “Tio Sam”, mas com a condição de influenciar, também, fazer uma troca, uma “grande confusão” na mistura de “Miami com Copacabana”. O que nos demonstra que, mesmo antes da Lei Rouanet – aprovada em 1991, no governo Collor – os artistas já defendiam a soberania do nosso povo por meio de suas artes.

Em um cenário no qual o mundo está de olho nas nossas estatais, com o nosso petróleo - uma das maiores riquezas naturais - prestes a ser rifado, com a Amazônia refém de ruralista e os povos indígenas cada vez mais sem terra - o que, no caso deles, é sinônimo de assassinato - defender a nossa cultura se faz algo essencial para que o povo ame a brasilidade e entenda que o nosso país é soberano e tem autonomia para governar e negociar de igual para igual com qualquer outro. A defesa da cultura, entretanto, não se faz com um slogan verde e amarelo, ou com frases prontas do hino nacional, mas sim por meio do protagonismo de quem faz as manifestações culturais: o povo. Gilberto Gil, quando foi ministro da cultura (2003-2008), usou a expressão “massagear pontos vitais” para descrever a responsabilidade dessa política – gestão nenhuma cria uma cultura, isso é trabalho dos cidadãos, as gestões têm a responsabilidade de fomentar a continuidade dessas expressões.

A extinção do Ministério da Cultura não é algo que afeta, apenas, os grandes artistas colocados na cruz do conservadorismo - como José de Abreu, Chico Buarque e Caetano Veloso. Afeta os pequenos produtores culturais que trabalham com a manutenção da memória da sociedade, afeta a nossa identidade, o entendimento que somos brasileiros e o significado disso no mundo. Em “Chiclete com Banana” Jackson do Pandeiro chama o Brasil para erguer a cabeça e mandar um recado ao imperialismo americano: “Eu só boto bepop no meu samba quando o Tio Sam tocar um tamborim / Quando ele pegar no pandeiro e no zabumba / Quando ele aprender / Que o samba não é rumba / Aí eu vou misturar / Miami com Copacabana / Chiclete eu misturo com banana/ e o meu samba vai ficar assim / Tururururururi bop-bebop-bebop.”

Reverenciar a bandeira estadunidense não é amar o Brasil, o amor ao Brasil se revela na defesa da dignidade do seu povo. Se revela na defesa do Sistema Único de Saúde para atender todos e todas, na defesa das universidades públicas e gratuitas, na cobrança de um presidente que seja um servidor dos brasileiros, especialmente dos recortes mais oprimidos, que tenha compromisso em diminuir as suas vulnerabilidades. O amor e o compromisso com o Brasil se faz com a identidade forjada na nossa história, no conhecimento de quem somos e na proteção das nossas riquezas materiais e imateriais, com protagonismo das pessoas como sujeitos de direitos. Enfraquecer a política de cultura é, portanto, ir de encontro a qualquer ideia que se tem de patriotismo.

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