Clementina

Luzilá Gonçalves Ferreira
Doutora em Letras pela Universidade de Paris VII e membro da Academia Pernambucana de Letras

Publicado em: 08/01/2019 03:00 Atualizado em:

Quase uma história de contos de fadas. Estudante aplicada, Clementina Duarte concluira o curso de Arquitetura na UFPE, fizera pós-graduação em Brasília, já então uma cidade promissora, abrigando o que de melhor se fazia na arquitetura, no ensino das artes no país: Niemeyer, Joaquim Cardozo, Lúcio Costa, Marianne Peretti andavam por lá, a UNB recém fundada acolhia alguns dos maiores nomes da ciência, da literatura brasileira, João Alexandre Barbosa, Darcy Ribeiro formavam estudantes à altura dos ares de renovação e esperança soprando sobre o Brasil. Clementina logo foi convidada  a ocupar a cadeira de Professora Assistente de História da Arquitetura naquela universidade. E aí começa a história de uma estudante a quem o destino sorri, e mais que o destino, a capacidade de criar, o dom artístico unindo-se à coragem, ao talento, à simpatia: ela recebe uma bolsa do governo francês para estudar Arte Medieval na Sorbonne e Arte Aplicada no Instituto de Arts et Métiers em Paris. Clementina extrai daqueles cursos o que de melhor se oferecia a estudantes, mas continua a fabricar joias artesanais que atestavam da capacidade de criação sempre crescente. Um belo dia, um gesto de ousadia: Pierre Cardin prepara lançamento de sua coleção de Primavera/Verão, 1967 e o episódio merece ser contado. Não lembro se foi a própria Clementina que me contou ou se li o relato do acontecimento na revista Elle. A jovem desconhecida, chega ao templo de alta costura de Cardin, anuncia-se: uma estudante que faz joias. A secretária pergunta, Mademoiselle tem hora marcada?, pois não é qualquer pessoa que pode interromper o trabalho de criação do grande ditador da moda. Clementina entrega à moça algumas de suas joias, pede que as faça chegar a Cardin. Daí a pouco chega Pierre Cardin em pessoa, pergunta: Quem é o autor? Resultado: as joias de Clementina participam do desfile, fazem ressaltar a elegância dos trajes, a beleza dos corpos, dos gestos (ela reencontraria Pierre Cardin anos, depois, na Exposição Pierre Cardin, Criando Modas e Revolucionando Costumes – 60 anos de Moda, Arte e Design, em São Paulo). A partir de então, após um período recifense em seu atelier de Casa Forte, quando se confirma uma trajetória de sucessos, essa grande artista se inspira na exuberante, mágica e barroca natureza brasileira, como o assinala a arquiteta e designer Charlotte Perriand, em Paris: “Na floresta tropical os cipós pendem, caem das árvores que olham para o céu. A artista cria orquídeas selvagens, formas estranhas e preciosas, variadas”. E acrescenta: “Clementina Duarte ama as joias, o ouro, as pedras preciosas e é assim que ela compõe adereços para seres maravilhosos, privilegiados”, “envolvendo o corpo de mulheres, de princesas das mil e uma noites.” No mês passado uma celebração  marcou, no Recife, uma carreira internacional que honra o Brasil: a exposição de algumas joias de Clementina no Museu do Estado e o lançamento do belíssimo álbum Clementina Duarte, 50 anos de arte e design, um primor de publicação da Companhia Editora de Pernambuco, como aliás tem sido os últimos livros editados pela equipe da Cepe, sob a presidência de Ricardo Leitão e de seu diretor de produção e edição, Ricardo Melo. Um álbum que só de folhear nos arrebata e recompensa: um encontro com a beleza. Assinalado pelas palavras da própria Clementina Duarte, na contracapa do livro “Criar joia é um sentimento. Usar, uma sensação. Em cada joia, mais que forma, procurei transmitir emoção”. 

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