Lula livre
Marcelo Santa Cruz
Advogado, militante dos direitos humanos
Publicado em: 03/01/2019 03:00 Atualizado em:
Permita-me, na condição de cidadão e advogado, fazer a presente reflexão, relativa à situação de encarceramento em que se encontra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Fui instado a fazê-lo contagiado pelo sentimento natalino e estimulado pelo exemplo do incomparável jurista Heráclito Fontoura Sobral Pinto, o qual reservava a profissão de advogado e advogada para quem tem coragem. A trajetória de vida de Sobral Pinto faz ressaltar a sua hombridade. Não se permitia soçobrar no mar de lama em que os hipócritas paladinos da justiça e da moral costumam sucumbir na primeira oportunidade. Nesta minha caminhada de operador do direito por quase 50 anos, confesso que fui surpreendido, tomado de indignação e perplexidade, quando da Audiência de Instrução Criminal, ocorrida em 14/12/2018, na chamada República de Curitiba. Nela, a juiza Gabriela Hardt comportou-se de maneira descortês, indelicada e para alguns até mesmo arrogante. Não permitiu que o ex-juiz, seu colega Sérgio Moro, fosse pelo menos nominado pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Lembro que o interrogatório do réu ou acusado é a oportunidade autorizada por lei para que o mesmo exerça o amplo e universal direito de defesa, sem qualquer cerceamento, garantindo o devido processo legal e o contraditório. Essa é uma garantia constitucional, colocada, no patamar dos direitos fundamentais da pessoa humana. Verifica-se a importância dessa garantia, contemplada nos arts. 10º e 11º, da Declaração Universal dos Direitos Humanos, que no último dia 10/12/2018, fez 70 anos de sua promulgação. A percepção obtida quando da presença do ex-presidente naquela fatídica audiência, aparência envelhecida, semblante firme e destemido pela força de sua inocência. Notava-se que o mesmo estava possuído de enorme sentimento de indignação, consequências desses processos movidos por acusações que não se sustentam na realidade fática, fundadas em meras ilações desprovidas de qualquer consistência probatória, produzidas única e exclusivamente nas chamadas delações premiadas de autores presos e processados que são postos em liberdade e passam a gozar merecida convivência com os seus familiares e amigos. Enquanto, os acusados permanecem sucumbindo nos cárceres, afrontando a garantia constitucional da presunção da inocência. Manifesto preocupação com o estado de saúde e a própria vida de Lula, o mais renomado preso político da atualidade. Não quero ser cúmplice por omissão de seu lento e gradual assassinato e nem vaticinar sua morte, caso venha a ocorrer, o mesmo será colocado no pedestal da pátria pela democracia e liberdade. Fico a pensar como a imagem do Brasil restará seriamente comprometida perante o mundo civilizado e os seus compatriotas. Faço uma advertência: até quando permanecerão inertes aqueles que têm por obrigação de ofício prevenir e reparar uma imensurável injustiça? Esses processos promovidos contra Lula fazem-me reviver na memória romance que li na juventude, O processo. Nele o genial escritor checo Franz Káfka traz a narrativa da estória do cidadão Josef K, que desperta certa manhã e se vê processado, submetido a longo e incompreensível acusação de haver praticado um crime não especificado.