Editorial Preservar os direitos

Publicado em: 29/12/2018 03:00 Atualizado em: 29/12/2018 06:05

As exigências da Fundação Renova — entidade criada para lidar com os efeitos da maior tragédia socioambiental da história do país, o rompimento da Barragem do Fundão, em Mariana — não podem prejudicar, ainda mais, as prefeituras e as pessoas atingidas pelo desastre que deixou um saldo de 19 mortos, devastação nunca vista em Minas Gerais e Espírito Santo, e bilhões de reais em prejuízo. A fundação está sendo acusada, pelos municípios e vítimas, de condicionar o pagamento de indenizações já acertadas à retirada de ações judiciais de reparação por danos morais e materiais em curso na Justiça da Inglaterra e País de Gales, no valor estimado de 5 bilhões de libras, o que corresponde a cerca de R$ 26 bilhões.

Os atingidos pelo tsunami de lama que chegou até o Oceano Atlântico acusam a Renova, mantida pelas mineradoras responsáveis pelo desastre, de fazer todo tipo de pressão para que desistam dos processos judiciais no exterior, onde certamente levarão bem menos tempo para serem concluídos e as indenizações, pagas. Se as vítimas concordarem em suspender as ações no Reino Unido, a fundação libera R$ 53 milhões referentes a gastos extraordinários para as prefeituras atingidas. Esse recurso estava previsto no Termo Transacionado de Ajustamento de Condutas (TTAC) assinado pelas mineradoras, pela União, pelos estados de Minas Gerais e Espírito Santo, assim como seus órgãos de meio ambiente e fiscalização.

No exterior, os atingidos têm certeza de que serão ressarcidos financeiramente e que as possibilidades protelatórias na Justiça brasileira certamente irão arrastar, aqui, as ações por anos. Desde setembro, o escritório anglo-americano SPG Law busca indenizar 240 mil vítimas do mar de lama, 21 prefeituras e cerca de mil pontos de comércio e instituições. Mas a própria presidente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Suely Araújo, declarou que a Renova não abre mão de as prefeituras e atingidos desistirem das ações no Reino Unido para receberem, em curto espaço de tempo, os R$ 53 milhões.

Diante do impasse, muitas prefeituras, em sérias dificuldades financeiras, não terão como quitar seus compromissos com os servidores e fornecedores. Até hoje, o impacto negativo do desastre se faz presente na economia das cidades onde os rejeitos de minério de ferro chegaram, após o rompimento, há pouco mais de três anos. O comércio e as mineradoras em Mariana não se recuperaram ainda, a pesca ao longo e na foz do Rio Doce praticamente desapareceu e a agropecuária também sofre com a poluição ambiental.

Na avaliação do prefeito de Mariana, Duarte Júnior, que é presidente do fórum de prefeituras atingidas, está havendo interferência da BH Billiton, uma das mantenedoras da Renova e sócia na exploração de minério onde houve o rompimento, para que a fundação não repasse a verba já acertada, caso os processos no exterior não sejam suspensos. As autoridades não podem aceitar tal punição às milhares de vítimas da tragédia socioambiental e devem exigir o cumprimento dos acordos. Os direitos dos que sofrem até hoje com o desastre têm de ser preservados em sua totalidade.

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