Azul

Luiz Otavio Cavalcanti
Ex-secretário de Planejamento e Urbanismo da Prefeitura do Recife, ex-secretário da Fazenda de Pernambuco e ex-secretário de Planejamento de Pernambuco.
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Publicado em: 27/12/2018 08:30 Atualizado em:

Gosto não se discute. Gosto da poesia de Carlos Pena Filho. Sempre gostei. De sua leveza. Terna. De sua harmonia. Forte. Despedindo-se dele, escreveu Jorge Amado:

“Carlinhos, eras simples como pão e profundo como água do rio. (...). Levavas nos ombros de toda fragilidade a dor e a esperança de teu povo, sua solidão, o cangaço e a multidão no frevo”.

Vejo, na árvore frondosa de Carlos Pena, quatro dimensões. Primeira, ele foi cromático. O poeta do azul. Da sensibilidade da cor. Gilberto Freyre anotou que, conforme contagem de Renato Carneiro Campos, Carlos usou quarenta vezes a palavra azul em seus versos.

“Então, pintei de azul os meus sapatos

Por não poder de azul pintar as ruas.

Depois, vesti meus gestos insensatos

E colori, as minhas mãos e as tuas”.

A segunda dimensão é a de envergado regionalismo. Carlos Pena carregou transcendência nordestina. E fundo apego pernambucano. Viajou agrestes e sertões. Visitou morros e planícies. Mediu igrejas e caminhou sobre as pedras seculares de Igarassu.

“Olinda é só para os olhos,

Não se apalpa, é só desejo.

Ninguém diz: é lá que eu moro.

Diz somente: é lá que eu vejo”.

A terceira dimensão é o lirismo. A poesia de Carlos Pena é lírica. Tem fundamentos românticos. Aproxima-se do recorte sofrido de Vinicius de Morais. Mas vai além da dor de cotovelo. Porque alcança a geologia do sentir para incorporar nuances da paisagem tropical que sempre o fascinou.

“Por seres bela e azul é que te oferto

A serena lembrança desta tarde:

Tudo em torno de mim vestiu um ar de

Quem não te tem mas te deseja perto”.

A quarta dimensão é a percepção do poeta sobre a provisoriedade das coisas. Talvez ele, na rara sensibilidade com que reconhecia o mundo, pressentisse a brevidade da vida. Foi intuitivo nessa descoberta. Como todo poeta. Antecipou o saber. Sem recusar o sabor.

“Lembra-te que afinal te resta a vida

Com tudo que é insolvente e provisório

E de que ainda tens uma saída:

Entrar no acaso e amar o transitório”.

Há, finalmente, um tom social na obra de Carlos Pena. Ele tinha o olhar penetrante do observador partícipe. Comprometido. Apalavrado com a circunstância limitada da pobreza recifense. Não se esquivou de consagrar o verso solidário.

“Mas nos domingos mais claros, as tecelãs se transformam, em puras rosas de sal, e oferecem seus braços, à curva do litoral. Nem se lembram mais do mangue, podre, virgem, vegetal, onde os homens são sem sonhos, como qualquer mineral”.

E, com remorso pelo atraso, ergo o estandarte da minha presença admirada. Perante a face incandescente de um azul chamado Carlos.

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