Supremo Individualismo

Maurício Rands
Advogado formado pela FDR da UFPE, PhD pela Universidade Oxford

Publicado em: 25/12/2018 03:00 Atualizado em: 25/12/2018 10:26

O princípio do duplo grau de jurisdição é dessas conquistas civilizatórias que visam nos proteger de erros ou abusos do estado-juiz. O deslize de um juiz individual pode ser corrigido pela instância recursal. Que, para isso, deve decidir colegiadamente. A ideia é que muitas cabeças podem decidir melhor. Ocorre que, por soberba, alguns ministros do STF preferem julgar mais individualmente do que coletivamente. Em 2018, as decisões individuais de mérito suplantaram as dos colegiados. Dos 26,5 mil julgamentos de mérito, 13,6 mil (51.3%) foram adotados por um ministro isoladamente. Outra forma de decidir individualmente e de se sobrepor ao colegiado é o já notório pedido de vistas. Mesmo depois que já se formou maioria. E que adia por tempo indefinido a decisão da turma ou do pleno. Manobra que se equipara à mais rasteira chicana jurídica.

O ministro Marco Aurélio resolveu superar-se nos últimos dias anteriores ao recesso. Com uma canetada individual julgou-se no direito de reverter decisão que havia sido adotada pelo pleno depois de longo debate. Que inclusive havia envolvido a opinião pública e a comunidade jurídica. Refiro-me à decisão do STF que havia autorizado o início da execução penal depois do pronunciamento de mérito da 2a instância. Entendimento que se havia imposto desde a decisão relatada por Teori Zavascki no Habeas Corpus nº 126292 em 17/12/2015 e apoiada pelos ministros Edson Fachin, Roberto Barroso, Luiz Fux, Dias Toffoli, Cármen Lúcia e Gilmar Mendes. Na ocasião ficaram vencidos Rosa Weber, Marco Aurélio, Celso de Mello e Ricardo Lewandowski, que exigiam o trânsito em julgado para cumprimento de pena. Desde então o plenário do STF entende que o início da execução da pena condenatória após a confirmação da sentença em segundo grau não ofende o princípio constitucional da presunção da inocência. O argumento é que a manutenção da sentença penal pela segunda instância encerra a análise dos fatos e provas que assentaram a culpa do condenado.

Não satisfeito, o ministro Marco Aurélio, de novo ao apagar das luzes do ano judiciário, resolveu interferir no procedimento de decisão do Senado Federal sobre a escolha de seu presidente pelo voto fechado. Mais uma vez contrariando o entendimento do STF de que os assuntos internos dos outros poderes não devem sofrer interferência do Judiciário. Como é o caso do procedimento decisório para escolha dos seus dirigentes.

A Nação vai se cansando do excesso de exposição dos ministros do STF. Muitos parecem aspirar à celebridade, mais que à realização da justiça. Claro que é positiva a comunicação dos membros do Judiciário com a sociedade. Isso aproxima a instituição. Ajuda o comum do povo a entender as razões das decisões. Ajuda o magistrado a compreender as necessidades da população. Mas as disputas de ego entre os membros da Suprema Corte passam longe desses objetivos. Culminam em decisões que afastam a segurança jurídica de que necessitamos no estado de direito democrático. As monocráticas, mas também algumas colegiadas. Caso do aumento de 16,38% num ambiente em que o déficit fiscal dispara e ameaça a economia como um todo. Caso da decisão, também do pleno, que restabeleceu o auxílio-moradia para eles próprios mesmo depois que o presidente Dias Toffoli havia prometido extingui-lo em troca do aumento dos subsídios.

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