A grande declaração

José Luiz Delgado
Professor de Direito da UFPE

Publicado em: 30/11/2018 03:00 Atualizado em: 02/12/2018 16:24

Do ponto de vista jurídico, dois grandes acontecimentos seguiram-se à Segunda Guerra: a criação do Tribunal de Nuremberg, para julgar “crimes contra a humanidade”, e a institucionalização de uma nova sociedade das nações, a ONU, que logo proclamou a fundamental Declaração de Direitos do Homem, que vai completar agora, em 10 de dezembro próximo, 70 anos. É um notável documento, é realmente a Grande Declaração. Foi a primeira vez em que os direitos humanos tornaram-se, como Bobbio salienta, ao mesmo tempo universais e positivados, obra de um formidável consenso universal. Antes, ou eram universais mas não positivados (obra apenas dos doutrinadores, a começar pelos iluministas do século XVIII), ou eram positivados mas apenas em ordenamentos nacionais (os casos iniciais da França e dos Estados Unidos).

Na Grande Declaração estarão todos os direitos humanos? Claro que não. Este é assunto no qual o progresso é constante. A humanidade vai, a cada época, tomando maior e melhor consciência dos direitos do homem – ou seja, das exigências que resultam da dignidade essencial da natureza humana.  Toda a história, pode-se até pensar, é nisso que consiste: no “crescendo” dessa tomada de consciência no rumo de uma cada vez maior humanização do homem, afirmação da absoluta primazia do animal racional sobre todo o universo visível.

Tudo isso é uma coisa. Outra é a deformação, a grave deformação que se vem fazendo dessa Declaração, nos últimos tempos. Pode-se falar de uma “ideologia dos DH”, uma exploração ideológica – e como toda exploração desse gênero, parcial, tendenciosa e falsa. É a ideologia que vem tornando os “direitos humanos” uma ideia suspeita e mal afamada. Segundo ela, direitos humanos só valem para o marginal e o preso – nunca para a vítima. Só os reconhece na pessoa da gestante, que teria total “liberdade sobre o próprio corpo”, e não na pessoa do feto – que é outra coisa, não “é” mas apenas “está” no corpo da mulher, nele sendo nutrido e preparado para uma vida própria e exuberante. É a ideologia que só vê violação do fundamental direito à vida na ação do torturador, jamais na do terrorista. E que inventa segmentações raciais, ao invés de reconhecer a miscigenação e trabalhar pela unidade e pela igualdade do gênero humano, sobretudo em sociedades amplamente misturadas como a nossa.

Tal ideologia foi explicitamente exposta num péssimo documento, visivelmente totalitário e equivocado, o PNDH-3, enviado ao Congresso por Lula, no final do segundo governo (logo retirado, por conta da generalizada reação). Lá está (no meio de salada infeliz que indicava como “direito humano” até o financiamento público das campanhas eleitorais e deixarem as polícias militares de ser “força auxiliar do Exército”...) a essência do plano totalitário esquerdista que nos estava sendo imposto: o controle da mídia, a legitimação das invasões de propriedade, a defesa do aborto, as restrições à liberdade de expressão, a supressão dos símbolos religiosos, etc.

O importante aniversário destes 70 anos de agora deve nos levar não somente a estudar a Grande Declaração, para continuar o processo de crescimento e fortalecimento dos princípios ali proclamados, mas também a nos advertirmos contra a nefasta ideologia que vem deformando os verdadeiros direitos humanos.

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