Francisco Solano de Godoy Magalhães

Agenor Martins Pereira
Juiz do Trabalho

Publicado em: 30/11/2018 03:00 Atualizado em: 02/12/2018 16:24

No final dos anos oitenta e início da última década do século passado, infância da nossa renascida democracia, na Faculdade de Direito do Recife ainda comemorávamos a Constituição da República recém-promulgada e seus avanços no campo dos direitos humanos, entre os quais o destaque conferido aos direitos sociais. Com sua espinha dorsal fortalecida pela nova ordem constitucional, provavelmente era o auge do Direito do Trabalho brasileiro, ao qual fui gentilmente apresentado pelo professor Francisco Solano de Godoy Magalhães.  Homem simples, de fala mansa, sorriso tímido e posições firmes, era um professor disciplinado e que, embora dominasse a teoria e a prática também como juiz do trabalho, nunca vinha despreparado para suas aulas. Era rigoroso, consigo e com os alunos, mas justo. Do mesmo modo, em sua vida particular, guiava-se por elevados valores morais e era igualmente exemplar na dedicação à família. De presença tão marcante, ainda hoje impressiona como está em seus filhos, não apenas na semelhança dos traços, mas principalmente no bom caráter forjado pela figura paterna.

Inspirado por lições da faculdade, alguns anos depois também ingressei na magistratura trabalhista e então reencontrei meu estimado mestre. O professor Solano era juiz do trabalho desde 1971 e, por merecimento, foi promovido ao tribunal em 1986. No ano da minha posse, em 1997, foi eleito para presidi-lo no biênio 1998/2000. Sua breve gestão, abruptamente interrompida porque um coração transplantado não resistiu à grandeza daquele homem, foi uma verdadeira revolução a partir da imediata valorização dos servidores concursados. Nomeou mais de cinquenta para postos estratégicos e funções comissionadas antes normalmente ocupadas por apadrinhados políticos. Como presidente do tribunal, personificou todos os princípios que devem reger a administração pública. Em menos de um ano, faleceu em dezembro de 1998, deixou um precioso legado que ainda é motivo de orgulho na instituição. Afinal, razão pela qual não teve receio de assumir tantos desafios apesar da saúde já debilitada, importava mais o que tinha para oferecer ao serviço público do que aquilo que este poderia lhe proporcionar.

Todavia, desde então muita coisa mudou por aqui. Não sei como adequaria sua solidez nesta sociedade líquida de tantas e rápidas transformações. Certamente não gostaria de ver como o Direito do Trabalho teve que flexibilizar sua coluna, curvando-a ao ponto da sua estrutura estar ameaçada. Como intelectual e estudioso dessa disciplina jurídica, mas sempre atrelado ao contexto social, provavelmente estaria incomodado com as amarras que ora vinculam a atividade judicante. Seria possível até não mais nos reconhecer. De fato, professor Solano, talvez não seja mais viável lhe encaixar neste mundo tão diferente. A legislação trabalhista e a Justiça do Trabalho, alvos constantes de tantas críticas, muitas injustas, não são mais as mesmas. Aquilo que me apresentou quando do apogeu, agora talvez encontrasse, se não mudar o rumo dos acontecimentos, próximo de seu ocaso. Aos que tiveram o privilégio de sua convivência, resta apenas saudade daquele juiz modelar, uma de minhas primeiras referências na magistratura. Saudade do tempo bom da faculdade e do querido mestre. Saudade do Direito do Trabalho que ele me ensinou.

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