Escola das facas

Luiz Otavio Cavalcanti
Ex-secretário de Planejamento e Urbanismo da prefeitura do Recife, ex-secretário da Fazenda de Pernambuco e ex-secretário de Planejamento de Pernambuco.

Publicado em: 20/09/2018 03:00 Atualizado em: 20/09/2018 08:55

Em 1980, o poeta João Cabral de Melo Neto publicou livro no qual consta o poema A Escola das Facas. O poema começa assim:

“O alíseo ao chegar ao Nordeste
Baixa em coqueirais, canaviais;
Cursando as folhas laminadas,
Se afia em peixeiras, punhais”.

Mal sabia o poeta que faca se tornaria metáfora da democracia. Trinta e oito anos depois.

Segundo Karl Polanyi, economias capitalistas produzem mudanças perturbadoras. E as sociedades lutam para se adaptar a elas. Tal tarefa não cabe aos mercados. Compete aos governos. Entidades retificadoras, que são. Encarregadas de corrigir desigualdades.

O futuro da democracia está na capacidade de governos produzirem espaços de equilíbrio social. Os extremos da riqueza e miséria produzem extremos de ira política.

O futuro da democracia está na capacidade de lidar com uma classe média com risco de desaparecer. Classe média é consumo. É destino da produção. É viga econômica. E é também opinião pública. Juízo social. Viga política.

Este conceito de classe média exige a superação da miséria. Impõe sensibilidade para vencer os bolsões de pobreza. Requer a adoção de políticas sociais firmes e continuadas. Incorporando os sem teto. Fazendo justiça. Aqui, a política depende da economia. Mas, logo adiante, a economia depende da política. Sem faca.

Quando se diz que o teto de gasto é antissocial busca-se enganar o povo. Porque todo mundo sabe que teto de gasto é seleção de prioridades. Ou você dá auxílio moradia a quem ganha mais de R$ 30 mil ou você garante o esparadrapo no hospital. Ou você paga a lavagem dos automóveis de parlamentares ou você garante a verba para blindar o museu de incêndio. É uma questão de escolha. Sem faca.

Instituições existem para dar funcionalidade ao Estado. E precisam ajustar-se continuamente às mudanças trazidas pela tecnologia, por novos costumes. Para isso, é essencial eliminar privilégios de outras eras. Porque abre-se um novo tempo. Que vem com as transformações sociais. O que não dá é manter privilégios de um Estado que se alimenta a si próprio. E querer ampliar políticas sociais. Os orçamentos públicos não suportam.

A ira política nasce na pobreza. Mas é amplificada no messianismo. O líder messiânico é a antipolítica. Porque promete o que não pode entregar. É mistificador. Mitificador. Começa no autoengano. Prossegue na afronta à lei. Termina em dor. Ora, a lei é a base da democracia. Esta é uma responsabilidade que envolve a todos. Sem escapatória.

O Brasil nem quer faca nem quer messianismo. Parece que os brasileiros esqueceram o que é utopia. Paremos um pouco. Façamos uma reflexão. Busquemos a utopia da paz coletiva. Com afeto pessoal. Sem faca.

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